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MÍDIA EM TRANSFORMAÇÃO
Emissora do australiano Rupert Murdoch mistura opinião com notícia e consegue roubar audiência das redes CBS, ABC e NBC
Nova fórmula da Fox muda a TV americana
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
No último dia 2 de novembro, a
vida dos três principais executivos de jornalismo das três maiores emissoras abertas norte-americanas piorou, e não é porque o
povo decidiu que George W. Bush
ficaria mais quatro anos como inquilino da Casa Branca. Naquela
noite, menos telespectadores buscaram a cobertura da ABC, CBS e
NBC do que em 2000. Sim, as três
juntas ainda atraíram quase 40
milhões de pessoas. Mas a ação
mesmo estava na TV paga.
Enquanto o republicano contava os votos, a Fox News triplicava
sua audiência. Mais de 8 milhões
de telespectadores clicaram seus
controles remotos na emissora do
australiano Rupert Murdoch, que
funciona como uma espécie de
porta-voz eletrônico da administração Bush. Enquanto checavam
os monitores de audiência, Roger
Ailes, ex-assessor de Nixon, Reagan e Bush pai e atual presidente
do canal noticioso, e o próprio
Murdoch brindavam com Coca-Cola e cachorro-quente.
"Eles mudaram a natureza do
jogo", afirmou Neal Shapiro, o
presidente da divisão de notícias
(o equivalente brasileiro a diretor
de telejornalismo) da NBC, uma
das "Três Grandes" -as outras
são ABC, cuja divisão noticiosa é
comandada por David Westin, e
CBS, liderada por Andrew Heyward. Nos anos 70, os principais
telejornais do trio chegaram a dominar 75% da audiência. Hoje,
têm 19%. Para piorar, dois de seus
âncoras estão se aposentando
(leia texto na página seguinte).
A Folha conversou com os três
jornalistas quando o trio esteve na
Universidade Stanford, em Palo
Alto, na Califórnia, para uma sessão de perguntas e respostas com
os estudantes, da qual a reportagem também participou. Leia os
principais tópicos da entrevista e
do encontro:
FENÔMENO FOX NEWS
"A Fox News adicionou um novo
ingrediente importante ao atual
sistema: eles misturam notícia
com opinião. Eles são uma mistura de noticiário e programa de rádio na TV. É uma fórmula poderosa." (Andrew Heyward, CBS)
"Tudo bem dar opinião, mas esta precisa ser identificada claramente. O problema é quando o
noticiário e a opinião são apresentados como a mesma coisa, como
eles fazem. Isso é querer empurrar uma opinião como fato, o que
corrói nossa missão principal.
Nós temos de manter a meta central, que é contar a verdade como
a vemos." (David Westin, ABC)
"É importante olharmos para
esta crescente cornucópia de opções, e a Fox News começou isso.
Hoje é muito diferente do oligopólio confortável que prevaleceu
no começo dos telejornais, quando você tinha as três principais
emissoras com uma fatia de mercado enorme. Acho que essa mudança acaba beneficiando o telespectador, pois nos pressiona a
buscar mais a excelência." (Heyward, CBS)
"Sim, eu dou à Fox News o crédito de mudar a natureza do jogo." (Neal Shapiro, NBC)
AUDIÊNCIA DAS "TRÊS IRMÃS"
"TV paga como a Fox News, blogs
na internet, precisamos estar
atentos a toda essa inovação tecnológica. Mas, por enquanto,
uma boa parte do público ainda
depende da TV aberta para se informar e nós temos de atender à
essa demanda da melhor maneira
possível." (Westin, ABC)
"Dezessete milhões de pessoas
assistiram à cobertura das eleições na TV paga, o.k., mas 40 milhões acompanharam nas TVs
abertas. É uma boa notícia para a
TV paga, mas eles ainda têm menos do que um em cada três espectadores." (Heyward, CBS)
"Antes as pessoas organizavam
sua vida de maneira a parar às
18h30 [horário em que os principais telejornais vão ao ar na TV
norte-americana] para sentar em
suas poltronas confortáveis e assistir a sua meia hora de notícias.
O desafio agora é que nós temos
de ir a esse telespectador, e não
mais ele a nós. É conquistar o indivíduo numa sociedade saturada
por emissoras noticiosas 24 horas
por dia no ar, como a Fox News e
a CNN, e sites noticiosos." (Westin, ABC)
GUERRA DO IRAQUE
"Algumas das coisas que cobrimos durante a guerra não tiveram
repercussão. A NBC entrevistou
várias vezes um militar de alta patente que dizia diariamente que
não haveria tropas suficientes no
Iraque no pós-invasão. Esse fato,
por alguma razão, não causou o
menor efeito no público." (Shapiro, NBC)
"Nós cansamos de noticiar que
não havia a menor evidência de
cumplicidade de Saddam Hussein no ataque terrorista de 11 de
Setembro, assim como que não
havia nenhuma evidência da existência de armas de destruição em
massa. Mesmo assim, as pesquisas mostram que um alarmante
número de pessoas ainda acredita
que havia esse tipo de armas no
Iraque... Sendo curto e grosso, nós
decepcionamos o povo norte-americano na questão das armas
de destruição em massa. Havia
muitas questões e nós não fomos
céticos o suficiente. Eu me arrependo sinceramente disso."
(Westin, ABC)
COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2004
"Cobrir uma eleição presidencial
é um serviço público que as emissoras são obrigadas a oferecer a
seus espectadores. Se a meta fosse
audiência e lucro, nenhuma emissora faria esse tipo de cobertura."
(Westin, ABC)
"Gostei muito da nossa cobertura nestas eleições. Foi um exemplo para as futuras. Fiquei feliz
com a cautela dos repórteres em
noticiar os resultados. Eles se contiveram e não cantaram vitória no
meio do jogo. Que foi exatamente
o que as emissoras fizeram em
2000." (Heyward, CBS)
"Não nos arrependemos de ter
usado todo o tempo que foi necessário para obter o resultado correto desta vez." (Shapiro, NBC)
PESQUISAS DE BOCA-DE-URNA
"As pesquisas de boca-de-urna
foram tendenciosas em relação ao
candidato democrata [John
Kerry]. É verdade." (Heyward,
CBS)
"Discordo. A boca-de-urna é
um instrumento importante, mas
só se for interpretada corretamente. Não acho justo dizer que
houve erro. Um levantamento
desse tipo não é tão acurado
quanto o resultado da eleição, é só
uma mostra." (Westin, ABC)
"Não, nenhum de nós está contente com o fato de as pesquisas
terem errado o resultado inicialmente. Todos nós estamos revisando a metodologia. Acho que
houve, sim, erros, alguns dos
quais conseguiremos sanar, outros não." (Shapiro, NBC)
FRAUDE NAS ELEIÇÕES
"Recebemos dezenas de denúncias de que houve fraude em algum lugar nestas eleições, a maioria vinda de blogs. Nenhuma era
verdadeira. Acredite, eu adoraria
reportar uma história cabeluda
sobre a eleição. [Risos] Na Flórida, então, seria ótimo, mas simplesmente não aconteceu." (Shapiro, NBC)
COBERTURA DAS CONVENÇÕES
"Acho que as convenções dos
partidos [democrata e republicano, que ratificam os candidatos à
Presidência a cada quatro anos]
estão tendo cada vez menos interesse noticioso. Nós todos cobrimos os discursos dos candidatos e
dos políticos mais importantes,
mas eu não me surpreenderia de
ver cada vez menos cobertura
desse tipo no futuro." (Heyward,
CBS)
"A cobertura das emissoras da
TV paga foi mais exaustiva porque incluiu detalhes que só importam ou interessam aos insiders ou aos que chamamos de
"political junkies" [viciados em
política]." (Shapiro, NBC)
FENÔMENO JON STEWART
"Pessoas como o Jon Stewart só
conseguem fazer o que fazem
porque as emissoras sérias fizeram suas coberturas sérias antes.
É saudável existir paródia e sátira,
mas se isso é o futuro do noticiário como andam dizendo [uma
das principais fontes de informação de adolescentes nestas eleições foram os chamados programas noticiosos cômicos], então
não há motivo nenhum para dar
risada." (Heyward, CBS)
FUTURO DAS "TRÊS IRMÃS"
"Há uma explosão no número de
provedores noticiosos e seminoticiosos, há a banda larga, o "video-on-demand", os celulares... E nós,
das grandes emissoras, temos de
reconhecer isso. A tecnologia permite ao público querer que nós
cheguemos a ele, em vez de fazê-lo vir a nós, como acontecia antes." (Westin, ABC)
"Sim, as pessoas podem acessar
as notícias de diversas maneiras,
mas acredito que sempre haverá
um mercado para o telejornal noturno." (Heyward, CBS)
"Quanto mais o jornalismo migrar para o ambiente da internet,
mais os telejornais serão relevantes. Porque aquela combinação
mágica de palavras e imagens pode levar o espectador a algum lugar e fazê-lo ter uma experiência
diferente. E isso só os telejornais
fazem." (Shapiro, NBC)
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