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GEOPOLÍTICA
"EUA devem privilegiar multilateralismo"
Para Joseph Nye, país deve redefinir seu papel e liderar a produção de bens públicos globais
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
No atual contexto geopolítico
internacional, os EUA deveriam
desempenhar um papel de liderança na produção de bens públicos globais, como conseguiu o
Reino Unido durante o século 19,
em áreas como o desenvolvimento socioeconômico, a segurança e
o combate ao terrorismo.
Essa redefinição do papel americano requer uma ampla discussão sobre os interesses nacionais
dos EUA e uma atitude mais multilateral do que a demonstrada
nos primeiros meses da administração de George W. Bush.
A análise é de Joseph Nye, doutor em ciência política e reitor da
Kennedy School of Government
da Universidade Harvard (Massachusetts), que foi consultor do
Departamento de Estado dos
EUA de 1977 a 1979 durante o governo do ex-presidente Jimmy
Carter e presidente do Conselho
Nacional de Segurança dos EUA.
Para Nye, embora grandes potências globais -como a China e
a Rússia- apóiem o combate ao
terrorismo internacional liderado
pelos EUA, ainda existem diferenças relevantes entre esses Estados.
Assim, "seria prematuro proclamar uma nova ordem mundial"
por causa dos atentados de 11 de
setembro.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Após os atentados suicidas de 11 de setembro, seria correto afirmar que o "hard power" ganhou um novo impulso?
Joseph Nye - O "hard power", ou
a utilização de instrumentos militares e econômicos para coagir
outros atores políticos, econômicos ou sociais a fazer o que eles
não querem, sempre foi importante no cenário político internacional embora, é verdade, tenha
ganho novo alento após os atentados suicidas ao Pentágono e ao
World Trade Center. Aqueles
que, durante o oba-oba dos anos
1990, acreditaram que a segurança e a força militar não fossem
mais tão importantes se enganaram totalmente.
Todavia, como argumento em
meu novo livro, "The Paradox of
American Power" [o paradoxo do
poder americano], o "soft power", ou a habilidade de conseguir que os outros façam o que
você quer sobretudo por meio de
influência cultural e ideológica,
está-se tornando cada vez mais
importante na era da informação
global. Os eventos de 11 de setembro não alteraram essa tendência.
Prova disso é a verdadeira batalha
dos EUA para conquistar o coração e a mente dos muçulmanos.
Dado o papel que os EUA desempenham na cena internacional atualmente, creio que as previsões que fiz sobre o poder americano no século 21 em meu livro
"Bound to Lead: The Changing
Nature of American Power" [fadado a liderar: a transformação
do poder americano" estivessem
corretas. Afinal, é nele que dou
destaque à magnitude do "soft
power" americano.
Folha - Como os ataques terroristas influenciaram as relações internacionais? Seria exagerado afirmar que eles deram início a uma
nova ordem mundial?
Nye - Os ataques de 11 de setembro demonstraram que a tecnologia coloca poderes de destruição
maciça nas mãos de atores não-governamentais, o que anteriormente era reservado somente aos
Estados. Eles mostraram que uma
ameaça real paira sobre a comunidade internacional.
Assim, Estados de peso, como
os EUA, a Rússia e a China, decidiram alterar sua atitude tradicional no que se refere às relações internacionais e cooperar na luta
contra o terrorismo. Porém diferenças em relação a outros temas
continuam existindo entre esses
países. Seria prematuro proclamar uma nova ordem mundial.
Folha - Que papel os EUA deveriam desempenhar na cena internacional? Washington deveria agora repensar sua política externa?
Nye - Os EUA deveriam ser líderes na produção de bens públicos
globais, como fez o Reino Unido
durante o século 19, em áreas como o desenvolvimento, a segurança e o combate ao terrorismo.
Essa redefinição do papel americano requer uma ampla discussão sobre os interesses nacionais
dos EUA e uma atitude mais multilateral do que a demonstrada
nos primeiros meses do governo
de George W. Bush. O país tem de
privilegiar o multilateralismo.
Em assuntos específicos, no
Oriente Médio particularmente,
os EUA deveriam continuar a fazer pressão para que o processo
de paz fosse retomado, como fizeram durante a administração de
Bill Clinton. Não podemos esquecer, no entanto, que isso não poria
fim ao terrorismo. Afinal, [Osama" bin Laden planejou os ataques terroristas quando o processo de paz entre palestinos e israelenses ainda estava em curso.
Folha - Muitos analistas afirmam
que, após 11 de setembro, a Europa
perdeu um pouco de sua influência
e que a Rússia voltou a ter um papel crucial na cena internacional. O
que o sr. pensa disso?
Nye - Creio que seja um exagero
dizer que a Europa perdeu parte
de sua influência no período que
se seguiu aos atentados. Por outro
lado, os trágicos eventos expuseram os problemas que o continente europeu tem no que se refere a agir como uma só entidade.
Ademais, ficou claro que a maior
parte das forças de segurança européias é deficiente quando tem
de agir de modo global.
Alguns Estados, como o Reino
Unido, ganharam influência por
meio de sua cooperação militar
com os esforços americanos ou de
sua atividade diplomática. Outros
não o fizeram e deixaram de ganhar influência internacional. O
presidente da Rússia, Vladimir
Putin, utilizou os eventos de 11 de
setembro para ajustar a política
externa do país, deixando-a mais
próxima ao Ocidente, no entanto
a influência da Rússia não aumentou tanto assim.
Folha - Como o sr. analisa a possibilidade de a guerra ao terrorismo
internacional ser expandida a países como o Iraque, o Sudão, a Somália ou o Iêmen?
Nye - As próximas etapas da
guerra ao terrorismo deveriam ter
como objetivo a continuação da
destruição da rede terrorista Al
Qaeda [de Bin Laden", que, aparentemente, tem células em dezenas de países. Na maioria dos casos, esse esforço englobará ações
civis, não militares. Trata-se de
medidas relacionadas à cooperação em áreas como a coleta de informações, a atividade policial, o
sistema bancário e a alfândega.
Na Somália ou o no Iêmen, a
força militar pode ser necessária
se os governos locais não forem
capazes de controlar as células da
Al Qaeda ou se eles não demonstrarem interesse em fazê-lo.
Folha - O abandono americano do
Tratado Antimísseis Balísticos pode pôr em xeque o equilíbrio
geoestratégico internacional?
Nye - Pessoalmente, não teria
anunciado agora que os EUA
abandonarão o TAB dentro de
seis meses. Contudo não creio
que esse abandono faça grande
diferença no que se refere ao equilíbrio estratégico porque a natureza técnica do sistema [de defesa
antimísseis, que os EUA pretendem desenvolver" é limitada demais para produzir esse efeito.
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