São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2002

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Afegãos enfrentam fome no maior campo de refugiados do mundo

KIM SENGUPTA
DO "INDEPENDENT", EM HERAT

Elas se aproximaram do carro em ondas frenéticas, deixando as tendas feitas de plástico. Batiam nas janelas, acenando com papéis de registro rotos como prova de que tinham direito a viver no maior campo de refugiados do mundo.
Desesperadas por ajuda, essas mulheres, algumas com bebês no colo, eram apenas algumas centenas dos 120 mil afegãos abrigados no centro de Maslakh, um campo de refugiados vasto, disperso e anárquico nos subúrbios de Herat, oeste do Afeganistão, onde as pessoas que o ocupam enfrentam o desastre à medida que o inverno se intensifica.
A cada semana, centenas de pessoas chegam ao campo. São os afegãos que as agências internacionais de assistência classificam como IDP (pessoas deslocadas internamente), pessoas que viram a seca transformar terras férteis em poeira e pedra nas Províncias de Badghis, Ghor e Fariah. O número de refugiados explodiu com a guerra: antes de setembro, não havia mais de 30 mil.
Maslakh se tornou sinônimo do caos e confusão que acompanharam boa parte dos esforços humanitários no Afeganistão nos últimos anos. O campo foi fundado nove anos atrás por uma agência local de assistência. Em breve escapava ao controle. Não houve muita ajuda das agências internacionais, cujos esforços eram prejudicados pela interferência sistemática do Taleban.
O médico Syed Abubakr Rasooli, agora diretor da OMS (Organização Mundial da Saúde) em Herat, era então funcionário do Ministério da Saúde. Ele relembra: "Um mulá, camponês pashtu da região de Candahar, foi promovido a meu chefe. A OMS nos deu três motocicletas para visitar os refugiados. Meu chefe as transferiu ao Taleban. Não demorou muito e o mulá estava dirigindo um Land Cruiser com ar condicionado, e os refugiados não recebiam, sequer o pouco que lhes era dado antes".
O Taleban aplicou aos campos de refugiados seu regime severo. Amina Tolah, professora de educação para a saúde em Maslakh, conta: "Homens e mulheres trabalhavam juntos. A situação era tão séria que era preciso. Então os talebans vieram, espancaram os homens e abusaram de nós, chamando-nos prostitutas. Fomos instruídas a ir para casa".
Em setembro, com o número de refugiados crescendo diariamente e diante de um desastre humano, a Organização Internacional para a Migração tomou o controle de Maslakh. Dan Gill, diretor da organização em Herat, disse ter encontrado uma situação chocante. "As agências internacionais haviam basicamente desistido do Afeganistão por considerá-lo uma causa perdida", conta. "Maslakh não é um campo, é uma cidade. Estamos tentando fazer com que essas pessoas voltem para suas casas, com apoio", diz ele.
Mas a maioria dos refugiados não tem para onde ir. Para muitos, essa "cidade" empoeirada é melhor que o lugar de onde vieram. Noorhajan, uma mulher frágil e encurvada em seus 60 anos, está acocorada diante da tenda que divide com a filha e oito netos. Há alguns cobertores esfarrapados para enfrentar o frio. Ela e as crianças mais novas são os que mais sofrem nas noites gélidas.
"É sempre tão frio, não resta calor em nossos corpos", diz ela. "Recebemos muito pouco para comer, mas em casa não receberíamos nada. Vendemos tudo, nossos carneiros, nossas terras, mas isso não bastou. Meu filho morreu, e nós decidimos procurar refúgio aqui. Mas, a caminho, meu marido também morreu."
Rasooli, da OMS, diz que o campo está fora de controle e deveria ser fechado. "Mas para onde iremos?", pergunta Mohammed Bassat, que chegara com seus quatro filhos, deixando a casa onde a mulher morrera. "Não nos resta nada em casa. Vivemos numa terra amaldiçoada."


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