São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A VISÃO CHINESA

Cólera nacionalista cresce na China

CALUM MACLEOD
DO "THE INDEPENDENT", EM PEQUIM

Os EUA são vistos como um "país bonito" na China, onde as pessoas são fascinadas pela riqueza e pelo poder dos norte-americanos há muito tempo. Mas o país também é conhecido como uma superpotência arrogante, que quer manter a China pobre.
Com a crise diplomática envolvendo um avião de espionagem americano entrando em seu sexto dia, a posição de Washington em não pedir desculpas pelo incidente faz aumentar o lado negativo da relação de amor e ódio que a China nutre com os EUA.
Os americanos se dizem descontentes porque seus 24 militares ainda estão detidos na "China vermelha", e o sentimento nacionalista também se intensifica no país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes.
"O presidente George W. Bush fez comentários estúpidos e pouco razoáveis", disse o escritor neoconservador Wang Xiaodong. "Ele deveria calar a boca e só abri-la novamente quando decidir pedir desculpas. Alguns americanos querem uma nova Guerra Fria, agora contra a China. Podemos ser mais pobres e mais fracos que os EUA, mas não temos medo. A população chinesa está unida contra essa ameaça", acrescentou.
Mas o que ele diz não é nada diante do que aparece na Internet. "Primeiro houve o bombardeio em Belgrado, agora isso", escreveu um chinês no maior site de notícias do país, Sina.com, em referência ao bombardeio da Otan (aliança militar ocidental) à Embaixada da China em Belgrado, em 1999. "Enforquem os espiões americanos e vinguem a morte de Xu Xinhu!", escreveu outro chinês, referindo-se a um jornalista que perdeu a vida em Belgrado.
A mídia chinesa, que é controlada pelo Estado, orquestrou uma estridente defesa dos argumentos de Pequim. Para o governo chinês, o país é a vítima na disputa atual. E qualquer comentário favorável aos EUA, feito na Internet, é rapidamente apagado.
Analistas afirmam que Washington não deve subestimar a cólera pública chinesa, que não é totalmente orquestrada pelo governo. O Partido Comunista chinês sabe que lidar com as emoções da população do país é algo bastante delicado.
"O nacionalismo é incentivado pelo governo, mas é uma faca de dois gumes", afirmou um comentarista político de Pequim.
"O governo se preocupa principalmente com assuntos domésticos, com o modo como lida com sua própria população. Se parecer fraco no que concerne à controvérsia atual, o governo terá de enfrentar o descontentamento da população. Os EUA não entendem isso. Alguns militares chineses gostariam de ver o governo tomar atitudes mais enérgicas. Se os EUA fizerem muita pressão, a tensão poderá aumentar", completou o comentarista.
O nacionalismo pode ajudar a manter o Partido Comunista no poder há mais de 50 anos, mas também pode ser manipulado por forças mais conservadoras. O crescente nacionalismo poderia atrasar a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, frear reformas econômicas importantes e arruinar os sonhos de Pequim de organizar os Jogos Olímpicos de 2008.


Texto Anterior: Washington recorre a latino-americanos
Próximo Texto: A visão americana: Episódio divide as opiniões nos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.