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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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OPOSIÇÃO

"Saúdo os bravos americanos", afirma advogada iraquiana

"Mundo ignora crueldades de Saddam", diz exilada

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A advogada Zakia Hakki foi a primeira mulher a ocupar, em 1959, um dos sete postos da Suprema Corte do Iraque. Foi também alta funcionária dos ministérios da Indústria e da Agricultura no período pré-Saddam Hussein.
No início dos anos 70, quando Saddam expandia seus negócios e suas milícias, preparando-se para tomar definitivamente o poder, em 1979, Hakki juntava-se à causa curda, o mais numeroso povo sem um Estado. No norte do país, lutou como guerrilheira até ser presa pelos iraquianos, em 1975.
Sob o regime de Saddam, ""um gângster que se autoproclamou chefe de Estado", foi torturada e viu boa parte da sua família ser assassinada, marido e filhos inclusive. Fugiu do Iraque em janeiro de 1996 e está exilada nos Estados Unidos desde então.
""Saúdo esses bravos soldados americanos que vêm nos libertar, mas serão muitas as mortes em Bagdá. Não há como tirar as milícias de lá sem uma luta rua a rua, casa a casa"", diz Hakki.
Um dos trabalhos difíceis no pós-guerra, segundo ele, será incorporar à sociedade os militares que apoiavam o ditador: "Não poderá haver perseguições. Seria a continuação do terror. O país precisará de conciliação."
Leia a seguir entrevista que ela concedeu à Folha.

Folha - Após quase 30 anos de Saddam Hussein, a
sra. acredita que a população iraquiana conseguirá constituir um regime democrático em breve, como querem os americanos?
Zakia Hakki -
O Iraque está sedento de democracia e de justiça. O mundo não tem idéia das atrocidades cometidas por Saddam. Muitas coisas horríveis virão a público quando ele se for. Saddam Hussein é um ditador brutal, um assassino sádico. Matou meu marido, meus filhos. Liquidou a minha família. Uma de minhas primas chegou a fugir para a Jordânia, mas foi capturada. Teve a cabeça cortada e pendurada em frente à casa onde vivia. Durante sete dias e os pais foram obrigados a olhar para aquilo.
Todos sabem dessas coisas. Não agem por medo. Depois que estivermos livres de Saddam, teremos toda a força do mundo para proteger a nossa liberdade.

Folha - E os que apoiam Saddam? O que acontecerá a eles?
Hakki -
Temos de reconhecer que toda uma nova geração iraquiana, os jovens e boa parte dos adultos de hoje, são fruto desse regime. Será um trabalho difícil, que teremos de exercer com uma nova mídia no país, com novos sistemas e instituições. Não poderá haver perseguições. Seria a continuação do terror. O país precisará de conciliação.
Muitos dos que estão no exílio sustentam que os militares que apoiam Saddam devem ser afastados. Defendem que suas famílias recebam alguma compensação para que não sofram e para que não sejam levados a atos de desespero. Temos de proteger de represálias os que cresceram sob este regime de terror. No fundo, é difícil atribuir culpa à maioria dessas pessoas.

Folha - O sentimento contra os americanos não é muito forte?
Hakki -
Saddam de fato conseguiu convencer o povo iraquiano de que os EUA são os invasores. Temos as marcas do passado. Em 1991, muitos se levantaram contra Saddam acreditando na ajuda americana e foram punidos depois. Houve execuções em massa, envenenamentos. Desta vez, os americanos terão de ganhar a confiança dos iraquianos novamente. Não há saída.

Folha - Conhecendo Bagdá, o que podemos esperar de uma invasão americana à cidade?
Hakki -
Eu saúdo esses bravos soldados americanos que vêm nos libertar, mas serão muitas as mortes em Bagdá. Não sou especialista militar, mas lutei em guerrilhas contra Saddam. Não há como tirar suas milícias de lá sem lutar rua a rua, casa a casa. Os americanos precisam envolver a oposição iraquiana nisso, os curdos principalmente. Deixem que eles entrem primeiro. Eles sabem como fazer e estão dispostos a isso. Tanques e mísseis não vão derrotar Saddam. Será preciso uma enorme guerra de guerrilha para tirá-lo de lá.


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