São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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EUROPA

População pune Schröder e Chirac eleitoralmente por causa de projeto de mudança do Estado do Bem-Estar Social

Reformas custam caro a líderes europeus

Robert Michael - 3.abr.2004/France Presse
Dezenas de milhares protestam contra reformas, em Berlim



A globalização faz que várias empresas européias deixem o continente atrás de mão-de-obra barata


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A reforma do Estado do Bem-Estar Social europeu, embora necessária, está se provando bastante impopular. Basta observar a catastrófica derrota do partido do presidente Jacques Chirac (conservador) nas eleições regionais francesas e o recente fracasso do centro-esquerda alemão, do chanceler (premiê) Gerhard Schröder, em pleitos estaduais, ambos motivados pela intenção popular de punir o governo central, não pela força da oposição.
O tema é controverso. Por que a reforma é vista, pela maioria dos especialistas, como necessária? Que medidas deveriam ser aplicadas para corrigir as falhas do sistema, considerado o mais completo no que se tange aos serviços oferecidos à população? Eis as perguntas que fazem que os autores da reforma -conservadores franceses, social-democratas alemães ou nacionalistas de direita italianos- sejam alvo da ira popular.
De acordo com especialistas consultados pela Folha, a reforma é necessária por duas razões: a globalização e o envelhecimento da população européia. "A globalização faz que várias empresas européias deixem o continente em busca de mão-de-obra barata na Ásia ou na América Latina", explicou Philippe Norel, co-autor de "Economie Internationale".
"Ademais, a população européia vive mais tempo por conta dos avanços da medicina e das melhores condições de vida existentes no continente atualmente, o que, aliás, só existe graças ao Estado do Bem-Estar Social. Soma-se a isso o fato de os índices de natalidade serem muito baixos nos países europeus. Assim, um número cada vez mais baixo de pessoas tem de sustentar uma quantidade cada vez maior de idosos e de aposentados. Ora, a conta é simples: o sistema tem de ser reformado porque, caso contrário, irá à bancarrota", acrescentou.
O modo como a reforma vem sendo executada na França e na Alemanha é bastante similar, embora os alemães já tenham introduzido mais etapas da mudança de seu Estado do Bem-Estar Social que os franceses. Para defender seu projeto, Schröder disse que era "preciso reformar o sistema para garantir sua sobrevivência". Já Chirac afirmou que a alteração é necessária para "assegurar o financiamento do sistema no futuro".
O maior problema para ambos é que a situação econômica dos dois países não é das melhores há algum tempo. No caso alemão, o crescimento econômico é risível desde o início da década de 90, e o desemprego não recua a menos de 10% há meses. A França ainda apresentou um crescimento econômico razoável até 2002, mas o desemprego também é alto -9,6% no geral, 21% entre os menores de 25 anos.
Com isso, como salientou Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Alemanha), as pessoas ficam ainda mais avessas à idéia de abrir mão de benefícios sociais conquistados ao longo de mais de um século. "O sistema de proteção social alemão é o mais antigo e tradicional do mundo, já que foi criado pelo chanceler Otto von Bismarck na segunda metade do século 19. Ora, não será fácil convencer a população, que vem perdendo seu poder aquisitivo há alguns anos, a abrir mão de seus benefícios", analisou Kreile.
Preocupado em "fazer um pouco de socialismo para evitar a ascensão dos socialistas", Bismarck criou um projeto que redefiniu as tarefas do Estado, que, a partir de então, deveria garantir "o bem-estar de toda a população". Isso foi o embrião que inspirou o britânico William Beveridge, cujo plano delineou os grandes princípios do Estado do Bem-Estar Social, tão popular na Europa desde seu lançamento, em 1942.
Na Itália, o premiê Silvio Berlusconi ainda não foi punido eleitoralmente -talvez pelo simples fato de que ainda não houve eleição desde que sua reforma do sistema de aposentadoria foi apresentada no Parlamento. Há dez dias, contudo, centenas de milhares de italianos encheram as ruas de diversas cidades do país para protestar contra o projeto do governo.
O projeto de Berlusconi ainda não prevê, como na França e na Alemanha, a flexibilização do mercado de trabalho, que permitirá que as empresas despeçam seus funcionários com mais facilidade, a redução da cobertura do sistema público de saúde, que obrigará as pessoas a pagar mais por suas visitas aos médicos, ou a redução dos benefícios destinados aos desempregados.
O Pacto de Estabilidade europeu, que zela pelo valor do euro -a moeda comum-, e as medidas econômicas preconizadas pelo Banco Central Europeu estão no centro da controvérsia. Segundo o pacto, os países-membros da zona do euro, a maior parte dos atuais 15 Estados da União Européia, não podem ter um déficit público superior a 3% de seu PIB (total de riquezas). Com isso, de acordo com seus críticos, os governos não podem ter uma política mais agressiva, sendo impedidos de despender mais para não pôr em risco o euro.
Para seus defensores, o Pacto de Estabilidade europeu é necessário para que a zona do euro possa manter-se estável e para que os governos não sejam obrigados a aumentar os impostos para cobrir o crescimento da dívida pública.


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