São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Xiita conta como soldados americanos abusaram de prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib por dias seguidos

Ex-preso relata tortura e humilhação

IAN FISHER
DO "NEW YORK TIMES", EM BAGDÁ

A vergonha é tão profunda que Hayder Sabbar Abd acha que não pode voltar ao bairro onde vivia. Ele preferiria nem sequer permanecer no Iraque. Mas agora o mundo inteiro já viu as fotos, que Abd voltou a olhar anteontem, apontando as figuras mais importantes nelas, a começar por três soldados americanos que dão sorrisos largos para a câmera.
"Esse é Joiner", disse ele, indicando um soldado que usa óculos, um chapéu preto e luvas de borracha. Seus braços estão cruzados sobre uma pilha de prisioneiros iraquianos nus e encapuzados. "Essa é Miss Maya", disse, apontando para uma jovem que está por cima da mesma pilha.
Abd olhou para outra foto. Nela, uma segunda soldado, sorrindo, fazia sinal de positivo com o polegar e, com a outra mão, apontava para a genitália de um homem coberto apenas com um capuz. Ele não soube dizer o nome da soldado. Mas as pequenas cicatrizes no torso do prisioneiro nu não deixavam dúvidas quanto a sua identidade. "Esse sou eu", disse Abd.
Abd, 34, está no centro de um escândalo em torno dos maus-tratos de prisioneiros iraquianos por militares americanos, mas permaneceu calmo nas duas horas em que detalhou o tempo que passou na temível prisão de Abu Ghraib. Ele disse que nunca foi interrogado nem acusado.
Em novembro, quando os abusos aconteceram, poucos muçulmanos xiitas, como Abd, realizavam ataques contra as forças americanas. "A verdade é que não éramos terroristas", disse Abd. "Não éramos insurgentes. Éramos pessoas comuns. E a inteligência americana sabia disso."
Abd falou sem demonstrar qualquer revolta contra a ocupação americana. Ele disse que, nos seis meses que passou em prisões administradas por americanos, a maioria o tratou bem e com respeito. "Eles nem sequer diziam "cale a boca"."
Isso mudou em novembro -Abd não soube dizer o dia exato-, quando o castigo aplicado por uma briga entre prisioneiros em Abu Ghraib degenerou em tortura. Naquela noite, contou, ele e seis outros detentos foram espancados, tiveram suas roupas arrancadas (uma humilhação especialmente grande no mundo árabe), foram forçados a se empilhar uns sobre os outros, a deitar nus uns sobre os outros e a simular sexo oral. Guardas americanos escreveram palavras como "estuprador" sobre sua pele.
Durante boa parte da provação, a curiosidade era a máquina fotográfica. Foi um detalhe que Abd mencionou várias vezes enquanto recordou como foi obrigado a encostar numa parede e como o tradutor árabe lhe ordenou que se masturbasse enquanto olhava para uma das guardas mulheres.
"Ela estava rindo e pôs as mãos sobre os seios", disse Abd. "É claro que eu não consegui. Eu disse a eles que não conseguia, então me bateram no estômago, e eu caí ao chão. O tradutor disse: "Faça! Faça! É melhor do que ser espancado". Eu disse: "Como posso fazer?". Então pus as mãos no pênis, fazendo de conta."


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