São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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DIPLOMACIA

Ex-secretária de Estado critica política de Bush

Albright defende contatos diretos na crise entre Washington e Teerã

CLAUDIA ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAMBRIDGE

A ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright defendeu a abertura de negociações diretas entre os Estados Unidos e o Irã como único meio de pôr fim ao impasse em torno do programa nuclear de Teerã. Albright, que comandou a diplomacia americana de 1997 a janeiro de 2001, no governo de Bill Clinton, se disse preocupada com os planos da Casa Branca para um ataque aos reatores iranianos e alertou para as conseqüências imprevisíveis de uma ação desse tipo.
"Defendo conversações diretas com o Irã. Não para premiá-los, nem para apaziguá-los, mas para tentar negociar um quadro de segurança para o Oriente Médio", disse a ex-secretária, que esteve em Cambridge para lançar seu livro "The Mighty and the Almighty" (Os Poderosos e o Todo-Poderoso). Ela pregou a mesma iniciativa em relação à Coréia do Norte, que abandonou negociações de desarmamento no ano passado e anunciou ter armas atômicas, embora não haja indicações de que as tenha testado.
Albright não é uma voz isolada. Com a escalada do confronto entre Washington e Teerã, cresce a convicção entre líderes políticos de que é preciso um passo mais ambicioso dos EUA, considerados co-responsáveis pelo impasse. "Se você põe três países no "eixo do mal" [Iraque, Irã e Coréia do Norte] e invade o que não tem armas nucleares, a mensagem é que você será invadido se não tiver um arsenal atômico", disse a ex-secretária de Estado.
Na noite de anteontem, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, defendeu as negociações diretas em entrevista à TV americana. "Se todos os interessados estiverem ao redor da mesa, pode ser possível construir um pacote que atenda às preocupações gerais."
A Alemanha tem apoiado as gestões dos EUA, do Reino Unido e da França para aprovar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que abra caminho para sanções contra o Irã, mas há desconforto na opinião pública européia com a possibilidade de que os americanos usem a decisão para justificar um ataque.
Os EUA romperam relações com o Irã depois da ocupação de sua embaixada em Teerã e a tomada de reféns por militantes da Revolução Islâmica de 1979. A retomada de contatos diretos virou um tabu dos dois lados -no Irã, o antiamericanismo tem funcionado como combustível do regime; nos EUA, predomina a percepção de que as dificuldades entre os dois países começaram em 1979 e não com o apoio americano ao golpe de 1953, que derrubou o governo do premiê Mohammad Mossadegh e instalou o xá Rehza Pahlavi no poder.
No governo Clinton, uma tentativa de reaproximação depois da eleição do presidente reformista Mohammad Khatami esbarrou na divisão da liderança iraniana e na timidez das propostas americanas.
A relação bilateral se deteriorou de vez com George W. Bush, que voltou a dar prioridade à mudança de regime em Teerã, e com a eleição, no ano passado, de Mahmoud Ahmadinejad, o linha-dura que se notabilizou por declarações anti-semitas e prometeu varrer Israel do mapa.
É essa radicalização que torna difícil que conversações diretas se concretizem. Professor de relações internacionais da Universidade de Boston, Andrew Bacevich é um dos céticos. "Os EUA perderam a oportunidade de iniciar a normalização das relações com o Irã logo depois do 11 de Setembro, quando o governo de Teerã, também inimigo do Taliban, apoiou o ataque ao Afeganistão. Mas logo em seguida o presidente Bush fez o discurso do "eixo do mal'", disse Bacevich.
A equação se complicou mais ainda depois que os EUA reconheceram a Índia como potência nuclear, no acordo para a venda de equipamentos e combustível radioativo assinado por Bush em Nova Déli, há dois meses. A Índia não é signatária do TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear). O Irã assinou o tratado, o que lhe permite produzir combustível nuclear para uso pacífico.
"O timing do acordo com a Índia foi o pior possível e particularmente notado em Teerã", disse Madeleine Albright. A ex-secretária de Estado, que nunca foi exatamente uma "pomba", atacou a Casa Branca. Disse que nunca viu no mundo "tamanha confusão" e que os EUA estão sem liderança. "Perdemos nossa reputação em direitos humanos e direito internacional. Demos um mau nome à democracia -ocupação, imperialismo."


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