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Britânicos votam hoje sob medo da crise
Previsão de que país terá o maior deficit público da UE em 2010 é nova nuvem sobre eleição dominada por preocupações econômicas
Expectativa de que nenhum partido obtenha a maioria absoluta após a votação de hoje gera incerteza quanto à adoção de medidas de ajuste
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Ganhe quem ganhar a eleição
de hoje no Reino Unido, não vai
poder usar a frase "a esperança
venceu o medo", cunhada por
Luiz Inácio Lula da Silva em
2002 e reciclada por Barack
Obama, seis anos depois.
Se houve algum sentimento
predominante na campanha foi
exatamente o do medo, o que
foi capturado pelo líder conservador -e favorito- David Cameron, no seu último comício:
"Não deixe o medo triunfar sobre a esperança", pediu.
O medo ficou ainda mais aguçado na véspera da votação pelo
anúncio da Comissão Europeia
de que o Reino Unido terá neste
ano o mais elevado deficit público entre os 27 países da
União Europeia: 12% de seu
Produto Interno Bruto.
Para ajudar a compor o medo, as estatísticas da Comissão
mostram que até a Grécia terá
um buraco menor (9,3%).
Medidas de ajuste devem ser
"a primeira coisa que um novo
governo [britânico] tem que fazer", decretou Olli Rehn, comissário europeu para assuntos econômicos e monetários.
Como se fosse pouco, Rehn
avisou ainda que a dívida britânica subirá 9,4 pontos percentuais, para situar-se em 88% do
PIB, e pregou: "Um convincente e detalhado programa de
consolidação da dívida é, de
longe, o maior desafio para o
novo governo, qualquer que seja a sua cor".
O problema é que há uma
forte possibilidade de que não
haja cor para governar, nem o
vermelho dos trabalhistas nem
o azul dos conservadores nem o
amarelo dos liberais.
Todas as pesquisas apontam
para o chamado "hung Parliament" (Parlamento suspenso
ou enforcado, sem a maioria
absoluta de 326 cadeiras na Casa de 650 membros).
Consequência inescapável,
se confirmadas as pesquisas: a
necessidade de um processo de
negociação entre partidos que
retardará a adoção de qualquer
pacote de ajuste, na hora em
que o pânico nos mercados já
afeta países com deficit inferior
ao que a Comissão Europeia
prevê para o Reino Unido.
Ainda mais que o Instituto de
Estudos Fiscais, ao analisar as
propostas dos três grandes partidos, concluiu que nenhuma
delas tem os detalhes necessários. Avisou também que o corte de gastos previsto pelos conservadores para os próximos
cinco anos seria sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial.
Por isso, o medo foi arma de
campanha dos trabalhistas, que
acusam os conservadores de
pretender desmontar o Estado
de bem-estar social.
Já os conservadores culpam
os trabalhistas pelo que consideram inchaço do Estado e de
seus gastos, o que tornaria a vitória de Gordon Brown uma
ameaça insuportável.
De fato, segundo cálculos do
Instituto de Estudos Fiscais,
entre 1997 e 2007, os anos em
que Brown comandou a economia, só a Coreia do Sul teve aumento maior do gasto público,
entre países ricos comparáveis.
Já a dívida aumentou dos
50% de 97 para quase o dobro.
Debates esquecidos
O fato de a crise europeia ter
se agravado justamente na semana da votação acabou obscurecendo todo o resto, inclusive
a ascensão de um terceiro líder,
Nick Clegg (Partido Liberal-Democrático), catapultado pelo sucesso que obteve no primeiro debate da história eleitoral britânica pela TV.
O debate animou a campanha, a ponto de Anne Mcelvoy,
colunista da revista mensal
"Prospect", escrever:
"Os debates televisivos
transformaram a política novamente em algo interessante".
Pena que, embora o último
deles tenha acontecido há uma
semana, os debates pareçam
ter ficado na pré-história ante a
velocidade com que a crise
avança. Já não cabe uma velha
piada que os ingleses fazem em
dias de nevoeiro intenso: "O
continente está isolado".
Continentes, como é óbvio,
não ficam isolados. Mas o nevoeiro cobre agora as ilhas, um
nevoeiro político, pela indefinição, e econômico, pelo temor
ao contágio.
Leia texto de Clóvis Rossi
sobre maioria parlamentar
www.folha.com.br/101255
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