São Paulo, quarta, 6 de maio de 1998

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NOVOS REVOLUCIONÁRIOS
Rebelde mexicano defende introdução do "anarquismo organizado' para substituir poder tradicional
Zapatistas implantam governo paralelo

Otávio Dias de Oliveira / Folha Imagem
O dirigente do movimento zapatista Javier Elorriaga (à esq.), durante passeio pelo centro de São Paulo


OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local

A Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), braço civil do Exército Zapatista de Libertação Nacional, quer encerrar o domínio do PRI (Partido Revolucionário Institucional, governo desde 1929) na política mexicana por meio da criação de governos autônomos.
No Estado de Chiapas, berço do movimento zapatista, as comunidades autônomas zapatistas já são 38. "Essas comunidades são o cerne da proposta zapatista. Queremos mostrar para o governo que ele não faz falta", disse ontem à Folha o mexicano Javier Elorriaga, coordenador nacional da FZLN.
Um dos principais líderes da FZLN, criada em janeiro de 96, o historiador Elorriaga diz que as comunidades zapatistas praticam um "anarquismo organizado" e substituem as estruturas tradicionais ao fornecer educação, saúde e outros serviços à população.


Folha - O governo mexicano expulsou estrangeiros de Chiapas e disse que eles estariam interferindo na política do país. O que os estrangeiros fazem lá?
Javier Elorriaga -
Há, em diversos povoados zapatistas, o que chamamos de "acampamentos civis pela paz". São formados por estrangeiros e mexicanos que observam o que ocorre na região, acompanham os movimentos do Exército mexicano e da polícia e mantêm informados os organismos de proteção aos direitos humanos dentro e fora do país. O governo expulsou cerca de 20 observadores porque não quer testemunhas da violência em Chiapas.
Folha - Os estrangeiros têm atuação política na Frente Zapatista?
Elorriaga -
Não. O governo diz que os estrangeiros são responsáveis pela mobilização dos índios, por eles, os estrangeiros, pensarem. É uma visão racista.
Folha - A Frente Zapatista tem prefeitos em Chiapas?
Elorriaga -
Temos prefeituras autônomas, que não são reconhecidas pela lei, mas que são as que funcionam de fato. Registram nascimentos, casamentos e óbitos, organizam o trabalho coletivo, fornecem educação, saúde e segurança. Já são 38 em Chiapas e começam a funcionar em outras partes do país. As comunidades autônomas são o cerne da proposta zapatista, o que mais incomoda o governo. Queremos mostrar para o governo que ele não faz falta, que ele se afastou da população e pode ser deixado de lado.
Folha - Como é a eleição nessas comunidades?
Elorriaga -
Em Chiapas, como em outras partes do México, os partidos políticos não têm nenhuma força. A abstenção nas eleições municipais do ano passado atingiu até 80%. As eleições ocorreram em assembléias, com participação de toda a comunidade. Buscamos um consenso. Mas essa é uma fórmula que surgiu das nossas necessidades. Não quer dizer que deva funcionar na cidade, onde as pessoas têm uma vida mais individualizada. Não queremos impor um método indígena. Cada região deve encontrar a sua maneira.
Folha - Essa proposta tem um fundo anarquista?
Elorriaga -
Seria um anarquismo organizado. Não queremos proibir os partidos, mas mostrar que, além dos partidos tradicionais e da democracia formal, há outras formas de democracia. A classe política está distante dos interesses da maioria. Somos a favor de plebiscitos e referendos, queremos ter a possibilidade de demitir uma autoridade incompetente no meio de seu mandato, achamos que os candidatos a postos públicos não precisam pertencer a um partido. Porque uma ONG (organização não-governamental) não pode ter um candidato a presidente? Também achamos que os cargos mais importantes são os municipais. O presidente da República é o político menos importante de um país.
Folha - Como o sr. resumiria a ideologia da Frente Zapatista?
Elorriaga -
As democracias representativas não respondem mais às necessidades das pessoas. Precisamos construir democracias participativas, em que as pessoas tenham mais influência e todos estejam incluídos. Queremos dar espaço às ONGs, às associações de pais, aos sindicatos, entre outros.
Folha - Quais são as exigências da Frente Zapatista?
Elorriaga -
Nenhuma. Queremos que o governo desapareça, que tire o Exército daqui e nos deixe viver nos municípios autônomos, crescendo e esperando que outras regiões do México recuperem seus espaços democráticos. No acordo de paz de 96, ficou estabelecido que as comunidades indígenas poderiam eleger suas autoridades de acordo com seus usos e costumes. Só queremos que o acordo seja respeitado. O governo nos interessa pouco.
Folha - Qual é a relação entre o Exército Zapatista e a FZLN?
Elorriaga -
A FZLN é legal, aberta, seus membros e seus escritórios são conhecidos. O Exército zapatista continua existindo nas montanhas e ao redor das comunidades. Não participa das decisões comunitárias. Tem a função de defender as comunidades e ser um contrapeso ao Exército mexicano, mas não voltou a pegar em armas desde o início de 94.
Folha - Mas ele continua existindo ou é só marketing?
Pergunta - Não é marketing. O Exército está presente em centenas de comunidades indígenas. Os que estão armados são poucos. Segundo o governo, são uns 300. Mas com 300 pessoas é possível fazer 15 anos de guerra em Chiapas.
Folha - O Exército zapatista e seu líder, o subcomandante Marcos, têm hoje um papel simbólico?
Elorriaga -
Não é simbólico. Como último recurso, eles estão dispostos a lutar e morrer. Quando surgiu em 94, o Exército mostrou que os índios de Chiapas existem, têm um projeto e não vão mais morrer de diarréia.




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