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Saída marca o fim do flerte com o jornalismo pop
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Acompanhar uma reunião da
Primeira Página do "New York
Times", que acontece diariamente às 16h30 no terceiro andar do
número 229 da rua 43, lado oeste,
como fez a reportagem da Folha
no fim de 2002, já dava uma idéia
de quanto Howell Raines era um
corpo estranho no organismo da
velha senhora grisalha.
(O apelido do jornal, aliás, "old
gray lady", no original, maneira
carinhosa com que os nova-iorquinos chamam seu principal jornal, é um trocadilho com a cor do
prédio-sede, mas também com a
seriedade e o rigor com quem o
"Times" trata as notícias e o conservadorismo com que encara as
mudanças, especialmente mudanças no próprio jornal.)
Reunido com os editores de todos os cadernos, mais os chefes de
sucursal em teleconferência e os
secretários de Redação e seus assistentes, Raines era frequentemente ridicularizado e tinha de
enfrentar comentários irônicos a
cada intervenção. A exceção era
seu braço direito, Gerald M. Boyd,
o único que sempre o defendia.
O secretário de Redação, aliás, e
um editor de arte eram também
os únicos negros numa sala de 20
pessoas, e apenas cinco mulheres
quebravam a homogeneidade da
paisagem formada por homens
beirando os 50 anos, que se dividiam entre calvos e grisalhos.
Haines andava em volta da mesa em que se sentavam os jornalistas e gesticulava muito, enquanto
disparava perguntas. De baixa estatura, grisalho e com um jeito sulista que nunca o abandonou, era
conhecido por seu aperto de mão
fortíssimo e por citar o legendário
ex-técnico de futebol americano
Bear Bryant, do Alabama.
"Temos mesmo de dar esta foto
de palestinos mortos?", perguntava ele, em relação a mais um ataque das forças israelenses em territórios ocupados. "Quem ainda
aguenta palestinos mortos?" Silêncio. "Talvez os pais dos mortos?", pergunta o editor de exterior, em voz baixa. Risinhos.
A queda de Haines é o fim do
flerte do "New York Times" com
o jornalismo pop. Pelo menos,
com o mais próximo que os Timesmen estão dispostos a chegar
do jornalismo pop. Foi ele que
chocou pelo menos duas gerações
de repórteres ao colocar na Primeira Página do jornal um perfil
da cantora Britney Spears.
Foi ele também que eriçou cabelos cinza-azulados ao dar uma
manchete (o principal título da
Primeira Página) em duas colunas para o fiasco do resultado da
competição de patinação no gelo
da Olimpíada de Inverno em Salt
Lake City, no ano passado.
E reavivou no jornal o conceito
de notícia-evento, quando pinçava um dos temas do noticiário do
dia e investia ali toda a estrutura
do jornal -o caso mais recente ficou famoso por ser idiossincrático, a recusa do tradicional Campeonato de Golfe de Augusta em
admitir jogadoras mulheres.
No final daquele encontro, Raines veio conversar com o repórter
da Folha. Disse que tinha visitado
o Rio de Janeiro recentemente,
em férias, e que considerava uma
das cidades mais bonitas do mundo, e também a mais problemática. "O que vocês vão fazer com
aqueles morros?", perguntou.
Falou ainda que pretendia voltar ao país em breve. Talvez agora
tenha tempo de sobra.
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