São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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EUA

Ao lado da britânica Margaret Thatcher, presidente lançou bases para surgimento do "consenso de Washington"

Com Reagan, marketing político atingiu seu auge

ESPECIAL PARA A FOLHA

Os oito anos de Ronald Reagan na Presidência serão provavelmente lembrados pela história como um período em que a "onda conservadora" (liderada por ele e por Margaret Thatcher no Reino Unido) criou as condições políticas e econômicas para o "consenso de Washington" na década posterior praticamente uniformizar a política econômica de quase todos os países do mundo.
Grande parte da vitória de Reagan na eleição de 1980 se deveu à incompetente administração de seu antecessor e adversário Jimmy Carter. A inflação americana na década de 1970 chegou a inacreditáveis, para o padrão daquele país, 13,5% ao ano. Reagan assumiu o poder e implementou uma orientação radical de incentivo à oferta de bens e serviços por meio de grandes reduções de impostos para empresas e pessoas.
Ao mesmo tempo, ele ordenou profundos cortes orçamentários, em especial nos programas sociais do governo federal, que haviam sido bastante expandidos nas administrações de Lyndon Johnson, Richard Nixon e Carter, e iniciou o processo de desregulamentação da economia.
A "reagonomics" atingiu boa parte dos seus objetivos. A taxa de inflação ficou entre toleráveis 4% e 6% anuais, o desemprego, embora tenha alcançado altíssimos 10% em 1982, permaneceu na maior parte da década de 80 em margens consistentes com a história do país, e a atividade econômica se expandiu em níveis recordes para tempos de paz até então (sob o governo Clinton, ela viria a crescer ainda mais).
Em compensação, o déficit no orçamento federal atingiu patamares altíssimos, que foram reduzidos com grande esforço entre 1994 e 2000 por uma união de esforços entre o Executivo sob a liderança de Bill Clinton e o Congresso sob o comando de Newt Gingrich, apenas para voltarem a se elevar na atual administração de George W. Bush. A dívida pública americana triplicou nos oito anos de governo Reagan.
O abandono pelo Estado da sua condição de regulador permitiu que ocorressem escândalos financeiros como os dos bancos de poupanças, com grandes prejuízos tanto para o governo como para muitos investidores. De certo modo, o espírito da época Reagan, de ambição ilimitada, criou o caldo de cultura que permitiu a ocorrência dos grandes escândalos corporativos de anos recentes.
Além disso, apesar de seu discurso em favor do livre comércio, a Presidência de Reagan foi o período desde a gestão de Herbert Hoover em que mais aumentaram as tarifas alfandegárias para importação nos EUA.
Do ponto de vista político, os anos Reagan marcaram o apogeu do espetáculo como forma de ganhar votos e apoio da opinião pública. Apelidado de "O Grande Comunicador", o ex-ator deu o tom para todos os seus sucessores com uma Presidência nitidamente orientada para a fotogenia e para a mídia. Com ele, o marketing político chegou ao auge.
Vinte anos antes do dia de sua morte, por exemplo, os assessores de comunicação do então presidente modelaram sua visita às praias da Normandia para comemorar o quadragésimo aniversário do Dia D como uma grande oportunidade para cenas de emoção na TV. O show se tornou um caso clássico de sucesso em relações públicas políticas e seria imitado depois por Bush, Clinton e, ontem, pelo atual presidente americano.
Sua habilidade em criar empatia entre si e o público permitiu que saísse ileso do principal escândalo de seu governo, o episódio Irã-Contras, que envolveu o desvio ilícito de dinheiro obtido pela venda ilegal de armas para o Irã (que estava sob embargo comercial dos EUA) para os guerrilheiros de direita da América Central.
A política externa de Reagan foi marcada ao mesmo tempo por um discurso ideológico duríssimo contra a União Soviética (o "império do mal") e até 1985 aumentos substantivos do arsenal nuclear americano, mas ao mesmo tempo por uma abordagem pragmática de détente, em especial entre 1986 e 1988, que em grande medida deu condições para Mikhail Gorbatchov consolidar sua liderança e estabelecer sua "glasnost".
Reagan aumentou os gastos de defesa dos EUA até níveis nunca antes alcançados, mas limitou ações militares a situações em que a certeza de vitória sem custo humano significativo era praticamente nulo, como em Granada. Durante o governo Reagan, os EUA deram apoio financeiro e militar a grupos radicais islâmicos no Afeganistão que combatiam a União Soviética (entre eles muitos que depois se integrariam à Al Qaeda). (CELS)


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas


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