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Bloqueio faz de Gaza prisão ao ar livre
Isolamento imposto por Israel fragiliza economia e gera desemprego em massa no povoado território palestino
Sem ter dinheiro para comprar mercadoria no pequeno comércio local, população fica refém da ajuda de estrangeiros
Ali Nureldine/Folhapress
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Centenas de palestinos frequentam o litoral, um dos principais refúgios contra a miséria que assola o território em decorrência do bloqueio israelense
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA
As prateleiras dos mercados da faixa de Gaza estão
cheias. Com algumas exceções, como medicamentos
contra doenças crônicas,
também não falta quase nada nas farmácias locais.
Na frieza dos fatos, são evidências que poderiam comprovar o argumento de que
não há crise humanitária na
populosa faixa de terra do litoral mediterrâneo -usado
por Israel para minimizar as
ações de ajuda internacional.
Mas três anos de bloqueio
arrasaram a economia local,
deixaram quase metade da
população desempregada e
tornaram inacessíveis para a
maioria dos 1,6 milhão de palestinos os produtos que enchem as prateleiras.
A vida continua. Famílias
fazem fila em sorveterias. De
dia, o mar bravio recebe centenas de banhistas. À noite,
os cafés ficam cheios de jovens fumando narguilé, e casais passeiam pela orla,
criando flashes de normalidade num cotidiano que
pouco tem de comum.
A onda mundial de críticas
a Israel pela morte de nove
ativistas na interceptação de
navios que tentavam entregar suprimentos à população
de Gaza amplificou a pressão
contra o bloqueio à faixa.
Na área de maior densidade populacional do mundo, a
maioria não tem para onde ir.
PRISÃO
A escassez de bens causada pelo bloqueio é driblada
com o contrabando em centenas de túneis que passam
sob a fronteira com o Egito.
Mas a falta de liberdade para
deixar o pequeno território
por terra, mar ou ar justifica a
fama de Gaza de "a maior prisão do mundo".
Pelo Egito só saem os poucos que têm autorização do
Cairo ou quem recebe visto
para um terceiro país. Por Israel, a saída é liberada só para tratamentos médicos inexistentes em Gaza, após longo processo burocrático.
Mohammad Abu Mandeel,
gerente de qualidade da Paltel, empresa palestina de telecomunicações, tenta há
cinco anos permissão para
sair e poder participar de treinamentos na Cisjordânia.
"A vida aqui é comer, beber, dormir e esperar", diz
Mandeel. "A maioria dos jovens e das crianças daqui jamais viu outro lugar."
Quem chega a Gaza esperando cenas de fome típicas
da África e lojas vazias se surpreende com a variedade das
mercadorias disponíveis. Fora bebidas alcoólicas, vetadas pelo governo islâmico do
Hamas, há de tudo, de perfumes de grife a computadores.
Comerciantes de Gaza
contam que é possível encomendar qualquer coisa pelos
túneis, de onde afirmam vir
90% dos produtos que vendem. Israel diz permitir a entrada de 15 toneladas de ajuda humanitária por semana.
"Não há ninguém morrendo de fome", diz o porta-voz
do Hamas Taher Alnonno.
"Mas a vida não é só comida.
A pressão psicológica afeta a
todos de forma profunda."
Segundo o PAM (Programa Alimentar Mundial), 7 de
cada 10 habitantes de Gaza
recebem ajuda humanitária.
Antes do bloqueio, 150 mil
pessoas trabalhavam em Israel. Só 2% das fábricas que
existiam antes do cerco continuam operando.
"Pode ser que não haja crise humanitária no sentido estrito. Mas, se as organizações
saírem, Gaza entra em colapso", diz Jean-Noel Gentile, do
PAM. "Juntando o bloqueio
de bens ao de pessoas, não
dá para negar que haja crise
humana."
DESTRUIÇÃO
A devastadora ofensiva israelense de um ano e meio
atrás ampliou a crise, e as
restrições à entrada de materiais de construção perpetuam o drama. Cimento, ferro
e vidro são vetados por Israel-sob a alegação de que
podem ser usados para fins
militares pelo Hamas.
Das cerca de 5.000 casas
destruídas no ataque, só uma
pequena fração foi refeita.
Sem dinheiro para reparar o
estrago causado por um míssil em sua casa, o comerciante Majid Juma, 46, continua
morando com a família na
metade que restou, desafiando o risco de desabamento.
Apesar da quitanda que
tem ao lado de casa, ele depende de cupons de ajuda
alimentícia de agências internacionais. "Quem comprava dois sacos de arroz hoje compra um. Quem comprava um espera ajuda."
Waffa Walid, 34, sonhou
em ganhar uma das casas
pré-fabricadas que os navios
barrados por Israel traziam.
Ela perdeu o filho Ibrahim,
7, num ataque israelense que
arrasou sua casa. Desde então, vive com os seis filhos
numa tenda. A geladeira,
que pifou, está vazia.
"Meu marido tem outra
mulher e mais sete filhos.
Resta pouco para mim", diz,
com sorriso resignado.
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