São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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Evo "neoliberalizou" coca, diz Quiroga

Ali Burafi - 17.out.2003/ France Presse
Mineiros bolivianos mascam folhas de coca em La Paz


Para o principal líder da oposição na Bolívia, o maior problema entre seu país e o Brasil não será o gás, mas o narcotráfico

Ex-presidente boliviano lamenta apoio dado por Lula a Morales na campanha e critica a "ingerência" de Hugo Chávez em seu país

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Principal líder da oposição boliviana, o ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, 46, prevê que, em dois anos, o grande tema entre a Bolívia e o Brasil passará do gás ao narcotráfico por causa do que chama de "neoliberalização" do plantio da coca promovido pelo governo Evo Morales. A nova regulamentação, que entrou em vigor na sexta-feira, permite que os mais de 50 mil produtores comercializem a folha, até então nas mãos de cerca de 5.000 varejistas especialmente licenciados. Educado nos EUA, Quiroga -ou apenas "Tuto" para os bolivianos- foi eleito vice-presidente em 1997 com apenas 37 anos. Assumiu a Presidência de 2001 a 2002, após a morte do general Hugo Banzer, que, antes de ter sido eleito democraticamente, havia encabeçado um regime ditatorial (1971-78). No ano passado, concorreu à Presidência pela agremiação de centro-direita Podemos (Poder Democrático e Social). Leia a seguir, uma das raras entrevistas concedidas por Quiroga a um jornalista estrangeiro, em La Paz.  

FOLHA - O MAS é a única força política nacional, como diz Morales?
JORGE "TUTO" QUIROGA
- Não, nós temos constituintes nos nove departamentos. Gostaríamos de ter mais, mas era uma situação totalmente adversa. Eles tinham todos os recursos do Estado. Nunca um governo, no início de gestão, tinha gastado 25 milhões de bolivianos (R$ 8,7 mi) em publicidade oficial. É diferente de informar o que fez no final do governo. Aos três meses, é só propaganda.

FOLHA - O governo e a oposição mantêm o impasse sobre se o resultado do referendo é nacional ou departamental. Qual o risco de uma crise política quando o assunto for tratado na Constituinte?
QUIROGA
- Os riscos são os que não sabem ler em castelhano. A pergunta está escrita em castelhano: um mandato vinculante à Assembléia Constituinte para aqueles departamentos em que ganha o "sim". Três milhões de pessoas leram e votaram. Eu não entendo onde possa haver confusão. Aqui, há um problema de fundo. O governo não tinha problema com essa convocatória, estava a favor da autonomia. As pessoas falam do que fez Chávez no Peru. Mas o que ele fez no Peru não é nada comparado ao que ele fez aqui. O que fez no Peru? Insultou um candidato em Caracas. O que fez aqui? Veio aqui por três dias, falou por 15 horas nos canais de TV do Estado boliviano. Eu? Nenhum minuto. Os nossos candidatos, nenhum segundo. E o que disse? Disse o que fazer na Constituinte, para fazer a reeleição. Falou contra as autonomias oligarcas, disse: "Derrotem a oposição, façam pó de Quiroga", aqui em território boliviano, no nosso canal. E, a partir daí, o MAS, que, era tolerante com a oposição, seguiu o mau exemplo de Chávez.

FOLHA - No entanto, durante a campanha, foi Lula quem apoiou Morales em declarações.
QUIROGA
- Assim foi, lamentável, nos doeu profundamente. De Chávez, isso se esperava. Com o Brasil, temos metade de nossa fronteira e um acordo de integração energética profundo, desenvolvido ao longo de vários governos. De Chávez, o que se vai fazer? Mas, que o presidente do Brasil tenha feito comentários desafinados é profundamente lamentável.

FOLHA - Com o estranhamento entre os governos Morales e Lula por causa do gás, a vitória de Alan García e a aliança com Chávez, há um realinhamento político na região?
QUIROGA
- Adoraria dizer aliança, mas é uma ação unilateral de Chávez. Em 2000, Chávez já apoiava movimentos de descontento social na Bolívia, no Equador. Claramente, ele tem o desejo de se apoderar de países menores. Nos países maiores, o que quer é ter influência, tê-los como reféns, com a voz embargada. Obviamente, há três motivações para seus interesses: fatores históricos, como na Nicarágua, energia e narcotráfico. Os países mais interessantes para seu projeto de expansão é segundo a carga que têm esses três elementos.

FOLHA - Por que o narcotráfico?
QUIROGA
- Para ser muito claro, não quero dizer que Chávez esteja envolvido em narcotráfico ou algo parecido. Mas é um elemento de alta irritação para os países europeus e para os EUA e também para o Brasil. Ele tem muito petróleo, não precisa do narcotráfico. A via branca é um fator de alta irritação com os países avançados. No caso da Bolívia, particularmente com o Brasil. E preste atenção ao que está ocorrendo na Bolívia. O meu país fez um grande esforço para sair do narcotráfico. Éramos sempre campeão ou vice da produção de cocaína, nos anos 1980 e 1990. De 1998 a 2003, reduzimos 90% a produção de droga. Agora, vai crescer e voltar fortemente. Há um mês, foi feita na Bolívia uma política de neoliberalismo cocaleiro destinada ao narcotráfico. Antes, a coca tinha controles, só podia ser vendida em dois lugares, em quantidades controladas. Este governo acaba de criar disposições legais contrárias às convenções e à lei vigente, para que qualquer produtor de coca possa vender qualquer quantidade de coca diretamente. Você pode comprar a droga, levar a sua casa e fazer a droga. Aí, neoliberalismo, livre produção, livre comércio, sem controle, sem regulamentação. Os setores da madeira, da soja, aí querem estatismo. Será um enorme dano ao meu país e ao Brasil.

FOLHA - Mais ao Brasil do que aos EUA.
QUIROGA
- Claro que sim. A Colômbia abastece os EUA. Daqui, sai ao Brasil e depois à Europa. Não são mercados estáticos, vão se movendo, mas obviamente fará dano principalmente ao Brasil. Creia-me, daqui a dois anos, quando você vier cobrir a Bolívia, não será o tema da energia, será o problema do narcotráfico e da droga.


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