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Evo "neoliberalizou" coca, diz Quiroga
Ali Burafi - 17.out.2003/ France Presse
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Mineiros bolivianos mascam folhas de coca em La Paz |
Para o principal líder da oposição na Bolívia, o maior problema entre seu país e o Brasil não será o gás, mas o narcotráfico
Ex-presidente boliviano lamenta apoio dado por Lula a Morales na campanha e critica a "ingerência" de Hugo Chávez em seu país
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Principal líder da oposição
boliviana, o ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, 46, prevê
que, em dois anos, o grande tema entre a Bolívia e o Brasil
passará do gás ao narcotráfico
por causa do que chama de
"neoliberalização" do plantio
da coca promovido pelo governo Evo Morales.
A nova regulamentação, que
entrou em vigor na sexta-feira,
permite que os mais de 50 mil
produtores comercializem a folha, até então nas mãos de cerca
de 5.000 varejistas especialmente licenciados.
Educado nos EUA, Quiroga
-ou apenas "Tuto" para os bolivianos- foi eleito vice-presidente em 1997 com apenas 37
anos. Assumiu a Presidência de
2001 a 2002, após a morte do
general Hugo Banzer, que, antes de ter sido eleito democraticamente, havia encabeçado um
regime ditatorial (1971-78). No
ano passado, concorreu à Presidência pela agremiação de centro-direita Podemos (Poder
Democrático e Social).
Leia a seguir, uma das raras
entrevistas concedidas por
Quiroga a um jornalista estrangeiro, em La Paz.
FOLHA - O MAS é a única força política nacional, como diz Morales?
JORGE "TUTO" QUIROGA - Não, nós
temos constituintes nos nove
departamentos. Gostaríamos
de ter mais, mas era uma situação totalmente adversa. Eles tinham todos os recursos do Estado. Nunca um governo, no
início de gestão, tinha gastado
25 milhões de bolivianos (R$
8,7 mi) em publicidade oficial.
É diferente de informar o que
fez no final do governo. Aos três
meses, é só propaganda.
FOLHA - O governo e a oposição
mantêm o impasse sobre se o resultado do referendo é nacional ou departamental. Qual o risco de uma
crise política quando o assunto for
tratado na Constituinte?
QUIROGA - Os riscos são os que
não sabem ler em castelhano. A
pergunta está escrita em castelhano: um mandato vinculante
à Assembléia Constituinte para
aqueles departamentos em que
ganha o "sim". Três milhões de
pessoas leram e votaram. Eu
não entendo onde possa haver
confusão. Aqui, há um problema de fundo. O governo não tinha problema com essa convocatória, estava a favor da autonomia. As pessoas falam do que
fez Chávez no Peru. Mas o que
ele fez no Peru não é nada comparado ao que ele fez aqui. O
que fez no Peru? Insultou um
candidato em Caracas. O que
fez aqui? Veio aqui por três
dias, falou por 15 horas nos canais de TV do Estado boliviano.
Eu? Nenhum minuto. Os nossos candidatos, nenhum segundo. E o que disse? Disse o que
fazer na Constituinte, para fazer a reeleição. Falou contra as
autonomias oligarcas, disse:
"Derrotem a oposição, façam
pó de Quiroga", aqui em território boliviano, no nosso canal.
E, a partir daí, o MAS, que, era
tolerante com a oposição, seguiu o mau exemplo de Chávez.
FOLHA - No entanto, durante a
campanha, foi Lula quem apoiou
Morales em declarações.
QUIROGA - Assim foi, lamentável, nos doeu profundamente.
De Chávez, isso se esperava.
Com o Brasil, temos metade de
nossa fronteira e um acordo de
integração energética profundo, desenvolvido ao longo de
vários governos. De Chávez, o
que se vai fazer? Mas, que o
presidente do Brasil tenha feito
comentários desafinados é profundamente lamentável.
FOLHA - Com o estranhamento entre os governos Morales e Lula por
causa do gás, a vitória de Alan García e a aliança com Chávez, há um
realinhamento político na região?
QUIROGA - Adoraria dizer aliança, mas é uma ação unilateral
de Chávez. Em 2000, Chávez já
apoiava movimentos de descontento social na Bolívia, no
Equador. Claramente, ele tem
o desejo de se apoderar de países menores. Nos países maiores, o que quer é ter influência,
tê-los como reféns, com a voz
embargada. Obviamente, há
três motivações para seus interesses: fatores históricos, como
na Nicarágua, energia e narcotráfico. Os países mais interessantes para seu projeto de expansão é segundo a carga que
têm esses três elementos.
FOLHA - Por que o narcotráfico?
QUIROGA - Para ser muito claro,
não quero dizer que Chávez esteja envolvido em narcotráfico
ou algo parecido. Mas é um elemento de alta irritação para os
países europeus e para os EUA
e também para o Brasil. Ele tem
muito petróleo, não precisa do
narcotráfico. A via branca é um
fator de alta irritação com os
países avançados. No caso da
Bolívia, particularmente com o
Brasil. E preste atenção ao que
está ocorrendo na Bolívia. O
meu país fez um grande esforço
para sair do narcotráfico. Éramos sempre campeão ou vice
da produção de cocaína, nos
anos 1980 e 1990. De 1998 a
2003, reduzimos 90% a produção de droga. Agora, vai crescer
e voltar fortemente. Há um
mês, foi feita na Bolívia uma
política de neoliberalismo cocaleiro destinada ao narcotráfico. Antes, a coca tinha controles, só podia ser vendida em
dois lugares, em quantidades
controladas. Este governo acaba de criar disposições legais
contrárias às convenções e à lei
vigente, para que qualquer produtor de coca possa vender
qualquer quantidade de coca
diretamente. Você pode comprar a droga, levar a sua casa e
fazer a droga. Aí, neoliberalismo, livre produção, livre comércio, sem controle, sem regulamentação. Os setores da
madeira, da soja, aí querem estatismo. Será um enorme dano
ao meu país e ao Brasil.
FOLHA - Mais ao Brasil do que aos
EUA.
QUIROGA - Claro que sim. A Colômbia abastece os EUA. Daqui,
sai ao Brasil e depois à Europa.
Não são mercados estáticos,
vão se movendo, mas obviamente fará dano principalmente ao Brasil. Creia-me, daqui a
dois anos, quando você vier cobrir a Bolívia, não será o tema
da energia, será o problema do
narcotráfico e da droga.
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