São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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MINHA HISTÓRIA MARIA LOURDES AFIUNI, 47

Prisioneira de HUGO CHÁVEZ

Dei a ordem de liberdade [ao banqueiro] e meia hora depois eu estava presa. Ficou evidente que ele era prisioneiro político, e agora sou mais uma. Não posso ir ao pátio. Estou há nove meses sem tomar sol

RESUMO A juíza Maria Lourdes Afiuni, 47, foi presa em dezembro de 2009, meia hora depois de conceder liberdade ao banqueiro Eligio Cedeño, um ex-aliado do governo, acusado de fraudar o sistema de câmbio.
O presidente Hugo Chávez pediu que ela fosse condenada a 30 anos. A juíza é acusada de corrupção e de facilitar a fuga de Cedeño para os EUA, mas diz que é vítima de perseguição política.

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

Sou uma prisioneira de Hugo Chávez. Não tenho nenhum arrependimento de ter ditado a medida cautelar de liberdade de Eligio Cedeño.
Havia um atraso no processo e a lei diz que, quando não há julgamento por culpa do sistema judicial, o acusado não pode ficar detido mais de 24 meses. Ele estava preso havia três anos.
Sabia que era um caso com importância política. Mas não por isso eu seria cúmplice com erros.
Dei a ordem de liberdade e meia hora depois estava presa. Ficou evidente que ele era um prisioneiro político, e agora eu sou mais uma.
Não houve suborno. A acusação já cruzou meus dados bancários e os de Cedeño. Não encontraram nada.
Muitos advogados que vêm me visitar dizem que desde que fui presa nenhum juiz quer tomar uma decisão por temor de represálias.
No dia seguinte, um funcionário me falou que Chávez havia dito que eu deveria ficar 30 anos presa. Dois dias depois, me disseram que ele tinha pedido 35 anos.

COMPANHEIRAS
Dez dias depois, fui transferida para o Instituto Nacional de Orientação Feminina.
Minha ala tem prisioneira por sequestro com homicídio, pistolagem, infanticídio. Duas celas depois da minha tem uma presa por jogar bomba numa sinagoga. Esse caso passou por mim.
Por ordem da diretora do presídio, não posso ir ao pátio. Ela diz que é para garantir a minha vida. Estou há nove meses sem tomar sol.
Não me sinto segura. Um dia veio uma detenta gritando: "Juíza!". Disse que era chavista, que não me metesse com o presidente. Chegou com uma gilete, que elas escondem no céu da boca.
Acordo umas 5h. Então tomo banho, me arrumo, ponho maquiagem. Minha mãe traz o cabeleireiro de vez em quando. Antes morta que simplória. Não vão me ver com cara de vítima!
Fizeram uma avaliação psiquiátrica. Acho que depressiva não estou. Mas disseram que há sinais de ansiedade próprios de quem vive o dia inteiro trancado.
De tarde, rezo. Entro no Twitter. É minha janelinha para o mundo. O governo sabe que tenho. Dizem que o ministro da Justiça me segue.
Já me tiraram seis BlackBerry. Esse [mostra] é o sétimo. A senha é Hugo [gargalha]. Não posso tirar esse homem da cabeça.
O mais difícil é ficar longe da minha filha. Eu era uma mãezona, com a Geraldine debaixo da minha asa.

FUTURO
Estou com a sensação de que vão arrumar um jeito de me condenar a mais de dez anos. A pena dos crimes que eles me imputam daria seis anos e quatro meses.
Sou candidata à Assembleia Nacional. É uma alternativa para ter a liberdade por causa da imunidade.
No fundo, só confio na imprensa e na repercussão internacional. Faz uns meses eu encontrei uma bolinha na axila. Pedi para ir ao médico. Não me ouviram. Só quando a imprensa publicou me levaram ao Hospital Militar.
Não adianta programar o que fazer quando sair, na hora é tudo diferente. Mas quero minha casinha! E tomar um banho de água quente.
[Pausa] Ah, vou passar mais de um mês pagando promessa [ri] para a Divina Pastora, Nossa Senhora de Fátima, Virgem Milagrosa...
Sou basicamente a mesma, mas minha visão das coisas mudou. Não sei se voltaria a ser juíza nesse sistema. Pensaria duas vezes antes de declarar alguém culpado.
Duro é aceitar a sanha com que as autoridades me perseguem. A sanha desse monstro de mil cabeças que está na Justiça, Ministério Público, na Assembleia...
Pensei que havia juízes sérios. Não há por covardia, por comodidade, por manter sua cota de poder. Dá vergonha.
Mas sou apaixonada pela minha carreira como juíza. Um dia ditava uma medida de privação de liberdade. No outro, estou aqui. Não sei se essas coisas são por acaso.


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