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MINHA HISTÓRIA MARIA LOURDES AFIUNI, 47
Prisioneira de HUGO CHÁVEZ
Dei a ordem de liberdade [ao banqueiro] e meia hora depois eu estava presa. Ficou evidente que ele era prisioneiro político, e agora sou mais uma. Não posso ir ao pátio. Estou há nove meses sem tomar sol
RESUMO
A juíza Maria
Lourdes Afiuni, 47, foi presa em dezembro de 2009,
meia hora depois de conceder liberdade ao banqueiro Eligio Cedeño, um
ex-aliado do governo, acusado de fraudar o sistema
de câmbio.
O presidente Hugo Chávez pediu que ela fosse
condenada a 30 anos. A
juíza é acusada de corrupção e de facilitar a fuga de
Cedeño para os EUA, mas
diz que é vítima de perseguição política.
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Sou uma prisioneira de
Hugo Chávez. Não tenho nenhum arrependimento de ter
ditado a medida cautelar de
liberdade de Eligio Cedeño.
Havia um atraso no processo e a lei diz que, quando
não há julgamento por culpa
do sistema judicial, o acusado não pode ficar detido mais
de 24 meses. Ele estava preso
havia três anos.
Sabia que era um caso com
importância política. Mas
não por isso eu seria cúmplice com erros.
Dei a ordem de liberdade e
meia hora depois estava presa. Ficou evidente que ele era
um prisioneiro político, e
agora eu sou mais uma.
Não houve suborno. A
acusação já cruzou meus dados bancários e os de Cedeño. Não encontraram nada.
Muitos advogados que
vêm me visitar dizem que
desde que fui presa nenhum
juiz quer tomar uma decisão
por temor de represálias.
No dia seguinte, um funcionário me falou que Chávez havia dito que eu deveria
ficar 30 anos presa. Dois dias
depois, me disseram que ele
tinha pedido 35 anos.
COMPANHEIRAS
Dez dias depois, fui transferida para o Instituto Nacional de Orientação Feminina.
Minha ala tem prisioneira
por sequestro com homicídio, pistolagem, infanticídio.
Duas celas depois da minha
tem uma presa por jogar
bomba numa sinagoga. Esse
caso passou por mim.
Por ordem da diretora do
presídio, não posso ir ao pátio. Ela diz que é para garantir a minha vida. Estou há nove meses sem tomar sol.
Não me sinto segura. Um
dia veio uma detenta gritando: "Juíza!". Disse que era
chavista, que não me metesse com o presidente. Chegou
com uma gilete, que elas escondem no céu da boca.
Acordo umas 5h. Então tomo banho, me arrumo, ponho maquiagem. Minha mãe
traz o cabeleireiro de vez em
quando. Antes morta que
simplória. Não vão me ver
com cara de vítima!
Fizeram uma avaliação
psiquiátrica. Acho que depressiva não estou. Mas disseram que há sinais de ansiedade próprios de quem vive o
dia inteiro trancado.
De tarde, rezo. Entro no
Twitter. É minha janelinha
para o mundo. O governo sabe que tenho. Dizem que o
ministro da Justiça me segue.
Já me tiraram seis BlackBerry. Esse [mostra] é o sétimo. A senha é Hugo [gargalha]. Não posso tirar esse homem da cabeça.
O mais difícil é ficar longe
da minha filha. Eu era uma
mãezona, com a Geraldine
debaixo da minha asa.
FUTURO
Estou com a sensação de
que vão arrumar um jeito de
me condenar a mais de dez
anos. A pena dos crimes que
eles me imputam daria seis
anos e quatro meses.
Sou candidata à Assembleia Nacional. É uma alternativa para ter a liberdade
por causa da imunidade.
No fundo, só confio na imprensa e na repercussão internacional. Faz uns meses
eu encontrei uma bolinha na
axila. Pedi para ir ao médico.
Não me ouviram. Só quando
a imprensa publicou me levaram ao Hospital Militar.
Não adianta programar o
que fazer quando sair, na hora é tudo diferente. Mas quero minha casinha! E tomar
um banho de água quente.
[Pausa] Ah, vou passar
mais de um mês pagando
promessa [ri] para a Divina
Pastora, Nossa Senhora de
Fátima, Virgem Milagrosa...
Sou basicamente a mesma, mas minha visão das coisas mudou. Não sei se voltaria a ser juíza nesse sistema.
Pensaria duas vezes antes de
declarar alguém culpado.
Duro é aceitar a sanha com
que as autoridades me perseguem. A sanha desse monstro de mil cabeças que está
na Justiça, Ministério Público, na Assembleia...
Pensei que havia juízes sérios. Não há por covardia, por
comodidade, por manter sua
cota de poder. Dá vergonha.
Mas sou apaixonada pela
minha carreira como juíza.
Um dia ditava uma medida
de privação de liberdade. No
outro, estou aqui. Não sei se
essas coisas são por acaso.
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