São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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Milosevic pode buscar refúgio na Rússia ou na China

JOSÉLIA AGUIAR
DE LONDRES

"É o fim de Milosevic", afirmou à Folha Christopher Cviic, especialista em Bálcãs do Royal Institute of International Affairs, em Londres. "É o fim do último regime comunista da Europa."
Para o professor Cviic, que é de origem iugoslava e autor do livro "Remaking the Balkans" (Refazendo os Bálcãs), não havia mais como o líder sérvio lutar para continuar no poder.
"As Forças Armadas se recusaram a entrar no conflito, não reagiram à pressão da oposição. O Ocidente se mostrou favorável a sua renúncia e à vitória de Vojislav Kostunica. Não havia mais o que fazer."
Na noite de ontem, em Belgrado, capital iugoslava, houve rumores de que Slobodan Milosevic e sua família teriam deixado o país. Três aviões militares deixaram um aeroporto perto de Belgrado, mas não estava claro quem fazia parte da tripulação.

Surpresa
A professora Mary Kaldor, da London School of Economics and Political Science, disse que a reação da oposição ontem -que ocupou o Parlamento depois do anúncio de que as eleições do último dia 24 de setembro seriam canceladas- foi uma surpresa para o líder sérvio.
"Foi tudo muito rápido. Ele simplesmente não pôde acreditar no que acontecia", afirmou Kaldor, que é também especialista na região.
Durante o dia, Kaldor disse à Folha que a renúncia de Milosevic era uma "questão de tempo, mas não muito tempo".
"Nos últimos dias, Milosevic tentava desesperadamente ficar no poder, mas ele não tinha mais opções", acrescentou.

Fuga
O que vai acontecer a Milosevic ainda é incerto.
Para Christopher Cviic, do Royal Institute of International Affairs, o líder sérvio teria como opções agora fugir para a Rússia, a China ou o Iraque. "Mas será difícil, pois a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental) observa atentamente o que ocorre na Iugoslávia."
Milosevic poderia ainda, segundo o professor, escapar por terra atravessando a Romênia, o que também seria difícil.
Cviic afirmou que, se ficar no país, Milosevic corre o risco de ter o mesmo destino do líder romeno Nicolae Ceausescu, que foi morto com sua mulher, Elena, no Natal de 1989, depois de 25 anos no poder.
Mary Kaldor, da LSE, também acredita que, se não fugir, Milosevic corre risco de vida.
Além de Rússia e China, Kaldor disse que um dos cenários possíveis é o líder sérvio escapar para a Grécia.
Mais cauteloso, Jan Skaloud, chefe do departamento de ciência política da Universidade de Praga, na República Tcheca, afirmou ontem que uma intervenção militar não estava descartada, o que poderia afetar a estabilidade de toda a região.

Novo governo
Vojislav Kostunica, que anunciou ontem que era o novo presidente da Iugoslávia, também é um nacionalista, como Slobodan Milosevic. Não esconde que deseja manter a Iugoslávia (formada por Sérvia e Montenegro) unida. Mas, segundo Mary Kaldor, seu governo estará mais comprometido com a paz e a democracia.
"Não se trata de uma derrota do nacionalismo. É uma derrota de Milosevic, que perdeu as guerras da Iugoslávia na última década", avaliou Kaldor. De acordo com ela, Kostunica também foi escolhido por causa de sua reputação e por não estar envolvido em casos de corrupção.
O professor Cviic disse que Kostunica deve agora "anunciar sua proposta de paz com os vizinhos e com as minorias (os albaneses de Kosovo, por exemplo) e assumir a liderança para reconstruir o país".
Cviic diz que, para isso, Kostunica conta neste momento com apoio popular e a simpatia do Ocidente e tem uma imagem mais suave que a de Milosevic.
"Mas ele deve agir cuidadosamente, não poderá fazer mudanças muito radicais agora", acrescentou.
A depender da composição do novo governo, Jan Skaloud, da Universidade de Praga, afirma que uma nova crise pode acontecer no país.
"Vamos ver quem formará o novo governo. A depender de sua composição, isso pode criar tensão novamente", disse à Folha, de Praga.


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