São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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Revolta iugoslava lembra ciclo de mudanças no leste da Europa

DANIEL VERNET
DO "LE MONDE"

Uma década depois dos antigos países comunistas da Europa, a Sérvia (uma República iugoslava) está em vias de libertar-se.
Será que o fará como a Polônia ou como a Tcheco-Eslováquia, após uma transição suave, uma "revolução de veludo", ou após um confronto entre manifestantes reivindicando seus direitos e as últimas fileiras dos mercenários do regime? As comparações históricas não são conclusivas, mas ajudam a compreender.
Em Varsóvia, onde a transição institucional começou nos primeiros meses de 1989, a transferência de poder foi negociada entre os comunistas e a oposição.
O governo e o sindicato Solidariedade concordaram em organizar eleições semilivres, reservando 65% das cadeiras na Dieta ao Partido Comunista e 35% para a oposição. Era um sistema que misturava as forças democráticas aos resquícios do partido único, mas tinha a vantagem de permitir ao poder sair sem desonra e à oposição mostrar sua força.
Alguns meses mais tarde, em Praga, centenas de milhares de tchecos se reuniram durante três semanas na praça Venceslas para reivindicar a saída dos caciques comunistas e a formação de um governo de concórdia nacional.
Sem que um único tiro tenha sido disparado, o presidente Husak, que chegara ao poder nos caminhões do Exército soviético após a derrota da "primavera de Praga" de 1968, renunciou ao cargo. No novo governo, os antigos opositores passaram a controlar a economia, as relações exteriores, a informação e a polícia, antes mesmo de Vaclav Havel passar diretamente da prisão para o palácio presidencial.

Inspiração
As manifestações pacíficas de Praga parecem inspirar Vojislav Kostunica e seus amigos. Mas isso fará o presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, ceder?
Nos últimos 13 anos, Milosevic construiu um regime baseado numa mistura de repressão policial, exaltação nacionalista, guerras externas e exploração econômica do país, em benefício dele e de seus aliados. Agora, os sérvios parecem cansados do isolamento a que a comunidade internacional os submeteu por causa das ações de Milosevic.
Os dirigentes tchecos estavam cada vez mais isolados, após a queda do comunismo nos países vizinhos. Milosevic nunca contou com ninguém. Mais do que o caso tcheco, ele lembra Ceausescu, isolado em seu bunker em Bucareste, que não hesitou em mandar atirar sobre a multidão para se proteger. Será que Milosevic, que ainda pode contar com as forças especiais da polícia, tentará usar a força para resolver o problema criado por sua derrota nas urnas?
O paralelo com a Romênia não é inteiramente pertinente. A "revolução" romena foi mais um golpe perpetrado por um círculo próximo ao ditador, que esperava conservar seu poder após matar Ceaucescu. Já a oposição sérvia reivindica o poder em nome de uma legitimidade democrática, organizada pelo ditador que acabou montando uma armadilha para ele mesmo.


Tradução de Clara Allain



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