São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2001

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Especialistas criticam sonegação de informações

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cresce entre os norte-americanos a idéia de que é preciso limitar a liberdade de informação, já que seu amplo exercício poderia supostamente beneficiar grupos do terrorismo islâmico.
É algo "assustador", diz em entrevista à Folha Jacqueline Sharkey, autora de "Under Fire - US Military Reaction on the Media from Grenada to the Persian Gulf" (1992), sobre o confronto e convergências de interesses entre a mídia e o establishment militar em tempos de guerra.
Ela nota que um possível ataque ao Afeganistão dificilmente se compararia com o que ocorreu há dez anos na Guerra do Golfo.
O clima é hoje de maior ameaça aos direitos da cidadania, diz Sharley, que também é professora da Universidade do Arizona. Há os "poderes de polícia" que o Congresso deu ao presidente George W. Bush. O Executivo pode grampear qualquer telefone, e a polícia pode prender suspeitos por tempo indeterminado.
Sharkey nota que, "em nome do combate ao terrorismo e da retaliação aos responsáveis pelo ataques ao World Trade Center, são agora bem menos numerosos os que discordam do governo".
Durante as duas Gerras Mundiais, diz ela, os norte-americanos abdicaram do direito de serem detalhadamente informados sobre o que ocorria no plano militar. Sabiam -mesmo sob protestos de uma minoria ativa- que a informação poderia beneficiar o inimigo. Não foi o que se deu com o Vietnã, quando a mídia abalroou as tentativas do governo de dar legitimidade à guerra.
"É hoje a meu ver assustador que sejam qualificados de "impatrióticos" aqueles que criticam o presidente e exigem o exercício do direito de discordar", afirma
Para ela é ainda preocupante o fato de o governo, sem que a mídia proteste, não demonstrar quais as provas de que dispõe contra terroristas baseados no Afeganistão. "Soldados morrerão sem saber se o governo tem razão ao identificar o inimigo", diz.
Por fim, o Pentágono será a única fonte sobre as operações. Não credenciou jornalistas para acompanhar a guerra de perto. Na Guerra do Golfo ao menos os "pools" da mídia eram autorizados a se aproximar das frentes.
Cynthia Cotts, colunista de mídia do jornal semanal nova-iorquino "The Village Voice", diz que os EUA vivem um momento em que "não há clima" para opiniões discordantes.
Cita o caso de Bill Maher, titular de um programa de entrevistas da rede ABC, que se contrapôs à declaração de Bush, que qualificara os terroristas de covardes. Por pressão de um lobby via e-mail, ele perdeu dois patrocinadores.
Cotts menciona também a demissão de dois colunistas de jornais menores e a pressão desencadeada contra a revista "The New Yorker", em razão de texto de um de seus colaboradores.
Por sua vez, a Fair (Fairness and Accuracy In Reporting), entidade de controle da qualidade da mídia, nota nesse quadro a autocensura como dimensão complementar. Seth Ackerman, um de seus dirigentes, cita em entrevista à Folha a suspensão, pelo "The New York Times" e pelo "Washington Post", de reportagens sobre as presidenciais do ano passado na Flórida, que o público interpretaria como um possível questionamento à legitimidade do mandato de George W. Bush.
De uma forma geral, diz ele, os norte-americanos sentem-se particularmente desinformados -sobre o que é o Afeganistão, o islamismo, o Oriente Médio-, mas ao mesmo tempo não sabem que seus governantes hoje sonegam informações que lhes dariam uma visão mais detalhada.
Quem quer saber o que está acontecendo tem como alternativa a mídia especializada e sites da internet. Mas é o comportamento de uma minoria, diz Ackerman. A maioria fica exposta aos canais de TV em que "não se sabe se o jornalista está narrando os fatos do dia ou participando da mobilização para a guerra".
Aqueles que se opõem a esse pensamento majoritário passam a ser qualificados, em editoriais ou comentários de jornalistas conservadores, de traidores ou no mínimo de cúmplices ingênuos dos criminosos. O grau de tolerância da sociedade americana caiu, afirma.



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