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Especialistas criticam sonegação de informações
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Cresce entre os norte-americanos a idéia de que é preciso limitar
a liberdade de informação, já que
seu amplo exercício poderia supostamente beneficiar grupos do
terrorismo islâmico.
É algo "assustador", diz em entrevista à Folha Jacqueline Sharkey, autora de "Under Fire - US
Military Reaction on the Media
from Grenada to the Persian
Gulf" (1992), sobre o confronto e
convergências de interesses entre
a mídia e o establishment militar
em tempos de guerra.
Ela nota que um possível ataque
ao Afeganistão dificilmente se
compararia com o que ocorreu há
dez anos na Guerra do Golfo.
O clima é hoje de maior ameaça
aos direitos da cidadania, diz
Sharley, que também é professora
da Universidade do Arizona. Há
os "poderes de polícia" que o
Congresso deu ao presidente
George W. Bush. O Executivo pode grampear qualquer telefone, e
a polícia pode prender suspeitos
por tempo indeterminado.
Sharkey nota que, "em nome do
combate ao terrorismo e da retaliação aos responsáveis pelo ataques ao World Trade Center, são
agora bem menos numerosos os
que discordam do governo".
Durante as duas Gerras Mundiais, diz ela, os norte-americanos
abdicaram do direito de serem
detalhadamente informados sobre o que ocorria no plano militar.
Sabiam -mesmo sob protestos
de uma minoria ativa- que a informação poderia beneficiar o
inimigo. Não foi o que se deu com
o Vietnã, quando a mídia abalroou as tentativas do governo de
dar legitimidade à guerra.
"É hoje a meu ver assustador
que sejam qualificados de "impatrióticos" aqueles que criticam o
presidente e exigem o exercício
do direito de discordar", afirma
Para ela é ainda preocupante o
fato de o governo, sem que a mídia proteste, não demonstrar
quais as provas de que dispõe
contra terroristas baseados no
Afeganistão. "Soldados morrerão
sem saber se o governo tem razão
ao identificar o inimigo", diz.
Por fim, o Pentágono será a única fonte sobre as operações. Não
credenciou jornalistas para acompanhar a guerra de perto. Na
Guerra do Golfo ao menos os
"pools" da mídia eram autorizados a se aproximar das frentes.
Cynthia Cotts, colunista de mídia do jornal semanal nova-iorquino "The Village Voice", diz
que os EUA vivem um momento
em que "não há clima" para opiniões discordantes.
Cita o caso de Bill Maher, titular
de um programa de entrevistas da
rede ABC, que se contrapôs à declaração de Bush, que qualificara
os terroristas de covardes. Por
pressão de um lobby via e-mail,
ele perdeu dois patrocinadores.
Cotts menciona também a demissão de dois colunistas de jornais menores e a pressão desencadeada contra a revista "The New
Yorker", em razão de texto de um
de seus colaboradores.
Por sua vez, a Fair (Fairness and
Accuracy In Reporting), entidade
de controle da qualidade da mídia, nota nesse quadro a autocensura como dimensão complementar. Seth Ackerman, um de
seus dirigentes, cita em entrevista
à Folha a suspensão, pelo "The
New York Times" e pelo "Washington Post", de reportagens sobre as presidenciais do ano passado na Flórida, que o público interpretaria como um possível questionamento à legitimidade do
mandato de George W. Bush.
De uma forma geral, diz ele, os
norte-americanos sentem-se particularmente desinformados
-sobre o que é o Afeganistão, o
islamismo, o Oriente Médio-,
mas ao mesmo tempo não sabem
que seus governantes hoje sonegam informações que lhes dariam
uma visão mais detalhada.
Quem quer saber o que está
acontecendo tem como alternativa a mídia especializada e sites da
internet. Mas é o comportamento
de uma minoria, diz Ackerman. A
maioria fica exposta aos canais de
TV em que "não se sabe se o jornalista está narrando os fatos do
dia ou participando da mobilização para a guerra".
Aqueles que se opõem a esse
pensamento majoritário passam
a ser qualificados, em editoriais
ou comentários de jornalistas
conservadores, de traidores ou no
mínimo de cúmplices ingênuos
dos criminosos. O grau de tolerância da sociedade americana
caiu, afirma.
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