São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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FRANÇA

Transexuais brasileiros engrossam ato contra projeto que prevê prisão por abordagem nas ruas e expulsão de estrangeiros

Lei causa protesto de prostitutas em Paris

Alcino Leite Neto/Folha Imagem
Simone (à esq.) e Giovana, ao lado da uruguaia Katy (no centro), carregam cartaz em manifestação


ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Vários transexuais brasileiros participaram ontem em Paris de uma manifestação de prostitutas contra um novo projeto de lei do governo francês, que estipula punição de até seis meses de cadeia e multa de 3.750 pela prática de abordagem nas ruas e de proxenetismo, além de prever a expulsão de prostitutas estrangeiras.
As medidas antiprostituição fazem parte do novo plano geral de segurança pública do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que reforça os poderes da polícia e é considerado fortemente repressor. As medidas estão provocando a ira de vários setores sociais e de associações de minorias e de direitos humanos.
O protesto das prostitutas foi realizado diante do Senado francês, no Jardim de Luxemburgo, onde o projeto de lei seria apresentado ontem. Reuniu mais de 500 pessoas, que portavam máscaras e cartazes.
Agarrada numa bandeira da França, a transexual brasileira Camille Cabral era assediada por dezenas de fotógrafos e jornalistas. "Essa lei é perigosa. Ela é liberticida e coloca em risco a saúde pública. A França, país das luzes e das idéias, não pode aprová-la de modo nenhum", disse à Folha.
Camille, naturalizada francesa, é médica e presidente da associação Passt (Prevenção, Ação, Saúde, Trabalho para os Transgêneros). Vive há 20 anos na França e foi o primeiro transexual eleito na história francesa. Ela exerce pela segunda vez o cargo de conselheiro municipal. É um mito entre os transexuais franceses.
Em torno de Camille, aglomeravam-se outros transexuais brasileiros, ligadas ao Passt, como a loira Simone Close, 30, de Porto Alegre, e a morena paulista Giovanna Teles, 25. "O ministro Sarkozy quer acabar com nossos direitos, que conquistamos com dignidade. O que eu faço não é crime", afirma Giovanna, que vive há dois anos na França.
Ao contrário das prostitutas, que vestiam máscaras e véus de todos os tipos, os transexuais optaram por não cobrir os rostos. "Estou sem máscara, deixei você tirar minha foto para mostrar ao meu país que estou aqui tentando levar minha vida, trabalhando. Meu lugar era no Brasil, mas lá eu sou tratada como um homem marginal. Aqui, sou uma mulher e um ser humano. Nas lojas de Paris, me chamam de "madame" e "ma chérie" [minha querida"", desabafa Giovanna.
Para a transexual francesa Sonia Bouaita, 27, a lei Sarkozy é uma das mais antidemocráticas que se tem notícia na França. "Ela não resolve o problema de fundo, que é o reconhecimento do trabalho sexual. Não se pode misturar a prostituição com um problema de imigração ligado ao proxenetismo internacional."
"Coloquei a máscara para preservar minha integridade e também porque somos vítimas de um sistema que não reconhece nossos direitos", diz a prostituta francesa Margot, 31. Ela brinca quando um fotógrafo pede para registrar sua imagem: "Se eu fizesse tanto sucesso no trampo quanto estou fazendo aqui na manifestação, estava feita."
A prostituta Marcelle, 55, também francesa, cobriu-se com um véu. "Eles não têm o direito de nos misturar com as redes de proxenetismo que prostituem menores. Nós somos independentes, pagamos nossos impostos e votamos. É preciso distinguir as prostitutas que estão legalizadas daquelas, às vezes muito novas, que são exploradas por mafiosos", afirma.
Nos cartazes, o ministro do Interior é o grande reú. "Sarkozy gigolô, você faz os fascistas terem ereção", diz um deles. A polícia cercou a manifestação, impedindo que as pessoas se aproximassem do palácio do Senado. Um bêbado gritou: "Com [o extremista Jean-Marie] Le Pen ao menos a gente sabe que está lidando com fascistas."
Para o governo, a lei visa a atacar as redes mafiosas que exploram na França o trabalho sexual de mulheres estrangeiras, sobretudo do Leste Europeu e da África. Mas os críticos defendem que o projeto de lei não distingue entre as pessoas que são constrangidas, por proxenetas, a exercerem a prostituição e aquelas que o fazem por uma decisão individual.


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