São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008

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Para negros, Obama é ápice do processo de inclusão política

Historiadores concordam, mas advertem que racismo não desaparecerá da noite para o dia, apesar de expectativas

Comunidade celebra; analistas acreditam que cor de candidato pesou entre os negros, mas entre brancos não teve influência crucial


DANIEL BERGAMASCO
ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO

"Ao ver o Obama ganhar, eu só pensava em quantas pessoas morreram neste país para que um negro como eu pudesse votar. E agora este país elegeu um negro para seu cargo mais alto. Era uma página da história sendo escrita e eu estava vendo aquilo ao vivo", definia David Johnson à Folha, operário da indústria fonográfica, sobre assistir ao discurso pós-eleição do democrata Barack Obama, na noite de terça-feira.
Ao redor de Johnson, e assim como ele, negros e brancos circulavam por Chicago com a imagem e o nome do próximo presidente do país estampados em camisetas e broches. A diferença está nas conversas. Entre os primeiros, ecoa a expressão "fazer história". "Que país é este com um presidente negro? Não sei. Espero que menos racista, no qual eu entre em um restaurante e não me olhem como se eu não pudesse pagar a conta", diz o operário.
Mas que peso terá essa vitória nas relações raciais nos EUA? "Obama marca um ponto importante para os negros na América, mas o racismo não vai sumir no dia da posse", disse à Folha o historiador Hendrik Hartog, do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade Princeton.
"A vitória de Obama é uma evolução de um processo de participação dos negros na política americana. Nos últimos 30 anos, quase todas as nossas grandes cidades tiveram em algum momento um prefeito negro. Outros chegaram a cargos altos no governo, como [o ex e a atual secretária de Estado] Colin Powell e Condoleezza Rice. A Presidência é um grande passo, mas houve outros para que chegássemos aqui."

Da noite para o dia?
Nas ruas, há quem veja (ou deseje) mudança mais brusca. "O país está diferente da noite para o dia. Chicago, ao menos, está", dizia o artista plástico McArthur Binion, 62. "Os brancos estão olhando para mim e dizendo "oi". Não entendo o porquê. Talvez estejam dividindo a alegria da vitória, mas talvez dividindo sua culpa."
Hartog discorda. Para ele, a questão racial embalou Obama entre os negros, mas se teve algum peso entre os brancos, foi negativo. "Não acho que os americanos brancos sintam que são descendentes dos senhores de escravos e que têm de fazer justiça racial ao votar."
Para Richard Parker, analista político da Universidade Harvard, a eleição de Obama já tem um impacto imediato e definitivo: a participação eleitoral.
"O eleitorado negro não será mais o mesmo. É um segmento com uma tradição de voto menor que a dos brancos, mas o momento mostrou a todos que o voto deles importa muito. Isso não quer dizer que todos os próximos presidentes dos EUA serão afro-americanos, mas que o fato de essa possibilidade ser real fará com que não só negros, mas também latinos, se sintam mais incluídos no processo eleitoral", disse à Folha.

Página da história
Para Hartog, a vitória de Obama é um dos pontos altos na integração entre negros e brancos nos últimos cem anos. "A integração militar na Segunda Guerra, quando negros passaram a poder comandar brancos, foi sem dúvida um grande passo. Depois veio a luta por direitos civis e [o líder negro] Martin Luther King. O movimento Black Power [anos anos 70]. Décadas depois, temos Barack Obama, fato histórico dentro de um contexto, mas que deverá ser lembrado como um degrau alcançado."
Obama não havia nascido quando, há 53 anos, Rosa Parks despertou o movimento pelos direitos civis nos EUA ao se recusar a cumprir a ordem de um motorista de ônibus a ceder seu assento a um passageiro branco, no Alabama. Vigoravam no Estado, como em parte do país, leis de segregação racial.
Do movimento, emergiu Martin Luther King, assassinado em 1968 na mesma Chicago onde Obama celebrou sua vitória. No dia da eleição, a lembrança de Parks e King veio à tona em diversas citações.
"Rosa Parks se sentou, e Martin Luther King pôde andar. Martin Luther King andou, e Obama pôde correr. Obama está correndo, e nós todos podemos voar", disse o rapper Jay-Z em festa para Obama.


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