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Para negros, Obama é ápice do processo de inclusão política
Historiadores concordam, mas advertem que racismo não desaparecerá da noite para o dia, apesar de expectativas
Comunidade celebra; analistas acreditam que cor de candidato pesou entre os negros, mas entre brancos
não teve influência crucial
DANIEL BERGAMASCO
ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO
"Ao ver o Obama ganhar, eu
só pensava em quantas pessoas
morreram neste país para que
um negro como eu pudesse votar. E agora este país elegeu um
negro para seu cargo mais alto.
Era uma página da história sendo escrita e eu estava vendo
aquilo ao vivo", definia David
Johnson à Folha, operário da
indústria fonográfica, sobre assistir ao discurso pós-eleição
do democrata Barack Obama,
na noite de terça-feira.
Ao redor de Johnson, e assim
como ele, negros e brancos circulavam por Chicago com a
imagem e o nome do próximo
presidente do país estampados
em camisetas e broches. A diferença está nas conversas. Entre
os primeiros, ecoa a expressão
"fazer história". "Que país é este com um presidente negro?
Não sei. Espero que menos racista, no qual eu entre em um
restaurante e não me olhem
como se eu não pudesse pagar a
conta", diz o operário.
Mas que peso terá essa vitória nas relações raciais nos
EUA? "Obama marca um ponto importante para os negros
na América, mas o racismo não
vai sumir no dia da posse", disse à Folha o historiador Hendrik Hartog, do Departamento
de Estudos Afro-Americanos
da Universidade Princeton.
"A vitória de Obama é uma
evolução de um processo de
participação dos negros na política americana. Nos últimos
30 anos, quase todas as nossas
grandes cidades tiveram em algum momento um prefeito negro. Outros chegaram a cargos
altos no governo, como [o ex e a
atual secretária de Estado] Colin Powell e Condoleezza Rice.
A Presidência é um grande passo, mas houve outros para que
chegássemos aqui."
Da noite para o dia?
Nas ruas, há quem veja (ou
deseje) mudança mais brusca.
"O país está diferente da noite
para o dia. Chicago, ao menos,
está", dizia o artista plástico
McArthur Binion, 62. "Os
brancos estão olhando para
mim e dizendo "oi". Não entendo o porquê. Talvez estejam dividindo a alegria da vitória, mas
talvez dividindo sua culpa."
Hartog discorda. Para ele, a
questão racial embalou Obama
entre os negros, mas se teve algum peso entre os brancos, foi
negativo. "Não acho que os
americanos brancos sintam
que são descendentes dos senhores de escravos e que têm
de fazer justiça racial ao votar."
Para Richard Parker, analista
político da Universidade Harvard, a eleição de Obama já tem
um impacto imediato e definitivo: a participação eleitoral.
"O eleitorado negro não será
mais o mesmo. É um segmento
com uma tradição de voto menor que a dos brancos, mas o
momento mostrou a todos que
o voto deles importa muito. Isso não quer dizer que todos os
próximos presidentes dos EUA
serão afro-americanos, mas
que o fato de essa possibilidade
ser real fará com que não só negros, mas também latinos, se
sintam mais incluídos no processo eleitoral", disse à Folha.
Página da história
Para Hartog, a vitória de
Obama é um dos pontos altos
na integração entre negros e
brancos nos últimos cem anos.
"A integração militar na Segunda Guerra, quando negros passaram a poder comandar brancos, foi sem dúvida um grande
passo. Depois veio a luta por direitos civis e [o líder negro]
Martin Luther King. O movimento Black Power [anos anos
70]. Décadas depois, temos Barack Obama, fato histórico dentro de um contexto, mas que
deverá ser lembrado como um
degrau alcançado."
Obama não havia nascido
quando, há 53 anos, Rosa Parks
despertou o movimento pelos
direitos civis nos EUA ao se recusar a cumprir a ordem de um
motorista de ônibus a ceder seu
assento a um passageiro branco, no Alabama. Vigoravam no
Estado, como em parte do país,
leis de segregação racial.
Do movimento, emergiu
Martin Luther King, assassinado em 1968 na mesma Chicago
onde Obama celebrou sua vitória. No dia da eleição, a lembrança de Parks e King veio à
tona em diversas citações.
"Rosa Parks se sentou, e
Martin Luther King pôde andar. Martin Luther King andou,
e Obama pôde correr. Obama
está correndo, e nós todos podemos voar", disse o rapper
Jay-Z em festa para Obama.
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