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ARTIGO
Obama é um conciliador
ALEXANDER KEYSSAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
AINDA QUE nós a estivéssemos esperando, a
imensa onda que varreu nossas costas políticas na
terça-feira deixou atônita a
maioria dos analistas políticos, entre os quais me incluo.
O poder emocional da vitória
de Barack Obama é tão forte
que dificulta prognósticos lúcidos. Mas não existe dúvida
de que a vitória decisiva de
Obama, somada aos grandes
ganhos democratas no Congresso, transformou nosso
cenário político e nossas decisões quanto a políticas -em
um momento crucial, no país
e internacionalmente.
Decerto o que houve de
mais significativo na eleição é
o fato de que os EUA tenham
eleito um presidente negro
menos de 50 anos depois que
as últimas barreiras raciais
foram removidas.
Exatamente o que isso propiciará em termos de bem-estar para os negros mais pobres é difícil de determinar (e
existem muitos motivos para
que não sejamos otimistas
demais quanto a esse aspecto), mas a eleição de Obama
representa e reforça uma virada cultural, uma atenuação
das fronteiras, uma celebração da diversidade que reverberará por boa parte da sociedade americana.
A vitória de Obama se deve
em parte ao enorme comparecimento do eleitorado negros às urnas (um fator que
sempre teve o potencial de
transformar as eleições em
Estados cruciais do Sul, como
Carolina do Norte e Virgínia),
e a ele ter conquistado cerca
de dois terços dos votos dos
hispânicos, um segmento do
eleitorado que vem crescendo rapidamente.
No entanto, a maior parte
dos votos de Obama (61%)
veio dos brancos (se bem que
o eleitorado branco tenha
preferido McCain por uma ligeira maioria). O mapa político regional e étnico dos EUA
mudou, talvez para sempre,
de formas que resultarão em
pressões duradouras por uma
maior igualdade social.
Bush e renda
Igualmente importante, nesta eleição, foi o repúdio ao presidente Bush e ao seu partido. O
resultado representa uma rejeição a políticas tributárias
que resultaram em redistribuição de renda da classe trabalhadora para os ricos. Representa
uma rejeição da aderência feroz ao livre mercado que resultou em falta de regulamentação
sobre nossos mercados financeiros (e outros) e os deixou
vulneráveis ao desastre.
É uma rejeição ao unilateralismo e à dependência excessiva dos meios militares como
ferramentas de política externa. É uma rejeição aos esforços
do governo Bush para erodir as
fortes proteções às liberdades
civis que há muito tempo são
uma das virtudes das instituições americanas. É uma rejeição à insistente alegação republicana de que o governo mesmo é a fonte da maioria dos
problemas do país.
Estado mais ativo
No cenário doméstico, a eleição de Obama significará um
Estado mais ativo, promovendo políticas sociais mais progressistas, tanto em grande
quanto em pequena escala.
O presidente eleito assumiu
o compromisso, por exemplo,
de apoiar uma nova lei federal
que facilitaria a sindicalização
dos trabalhadores. Ele pressionará por legislação que garanta
cobertura de saúde aos 50 milhões de americanos que no
momento não dispõem dela.
Ao longo dos quatro próximos anos, Obama também terá
a oportunidade de indicar pelo
menos dois novos juízes para a
Corte Suprema, e com isso conter o avanço conservador nessa
instituição. Internacionalmente, Obama e seus assessores estão cientes de que a eleição oferece uma oportunidade de restaurar a posição dos EUA aos
olhos dos líderes e dos povos de
todo o mundo; ele certamente
aproveitará essa oportunidade,
tanto em termos simbólicos
quanto ao promover mudanças
nas políticas do país quanto a
direitos humanos, comércio internacional e ambiente.
É quase certo que ele também deva consultar líderes estrangeiros com muito mais freqüência e de maneira muito mais autêntica do que vem sendo a norma recentemente.
Centro-esquerda
Apesar de tudo isso, não devemos exagerar as implicações
políticas. Ainda que os republicanos o tenham acusado de socialismo, ele não é socialista, e
tampouco é um social-democrata ao modo que europeus ou
brasileiros compreenderiam
esse termo.
Obama é um homem de centro-esquerda, não de esquerda;
parece cauteloso, por temperamento, e um promotor da conciliação por hábito e treinamento. O novo presidente,
além, disso, terá de enfrentar
inúmeros obstáculos ao assumir, dado o Estado do país e do
mundo.
A economia americana está
afundando em uma séria recessão que ele não está bem equipado para combater, e isso restringirá seriamente o desenvolvimento de novos programas
domésticos. Tropas americanas continuam estacionadas no
Iraque e no Afeganistão, envolvidas em guerras que Obama
não pode terminar simplesmente declarando que desejaria fazê-lo. A ameaça de novo
ataque terrorista aos Estados
Unidos tampouco desaparecerá porque o presidente Bush
deixou o posto.
De fato, resta muito de imprevisível agora que esse líder
imensamente talentoso e ponderado se prepara para assumir
o posto e enfrentar crises e dilemas que não foi ele que causou.
Devemos ter em mente que o
presidente Franklin Roosevelt,
pai do New Deal e ícone presidencial do liberalismo norte-americano, não era um "liberal
[progressista] do New Deal"
quando assumiu o cargo.
Era um político centrista, defensor de orçamentos equilibrados e muitas vezes considerado cauteloso em excesso.
Mas as condições históricas o
levaram a adotar políticas audazes e criativas que se provaram duráveis e exerceram impacto positivo por muitas décadas. A promessa de Obama, em
última análise, é a de que ele
talvez possa fazer o mesmo em
nossa era.
ALEXANDER KEYSSAR é titular da cátedra
Stirling de História e Política Social na Escola
Kennedy de Governo, em Harvard.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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