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Mais "fogo amigo" espera Evo no 2º mandato
Presidente da Bolívia, que deve conquistar a reeleição hoje, terá como desafio a harmonização dos interesses de sua base
Nova Constituição expõe divergências entre grupos de apoio; governo admite consultas, mas manterá palavra final sobre recursos
Martin Alipaz/Efe
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Funcionários da Corte Nacional Eleitoral preparamna capital, La Paz, cédulas que serão usadas na eleição presidencial de hoje
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
Evo Morales, primeiro presidente aimará da história da Bolívia, deve ser reeleito hoje, segundo as pesquisas de opinião.
A vitória do líder esquerdista
pode marcar o fim do chamado
"empate catastrófico" entre
forças governistas e a rica oposição entrincheirada no leste
do país, que se enfrentaram por
quatro anos de quase ininterrupta crise política.
Mesmo que Morales consiga
a almejada maioria no Senado,
também em jogo hoje, e debilite mais seus opositores, seu novo mandato começará com o
desafio de implementar a nova
Constituição enquanto administra tensões entre grupos de
sua própria base, como os indígenas minoritários, camponeses e a ala desenvolvimentista
de seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo).
A nova Carta embute questões complexas como a implementação de autonomias administrativas em até quatro níveis: a departamental (exigida
pelos opositores), a regional (o
Chaco, onde estão as reservas
gasíferas exploradas pela Petrobras, pode ganhar autonomia em relação ao departamento de Tarija), as municipais e a
indígena.
Num Estado em que todos
lutam pela renda do gás, a principal riqueza do país, a discussão sobre prerrogativas administrativas e financiamento é
naturalmente mais difícil.
Some-se a isso as demandas
de grupos indígenas que exigem que suas formas de governo ancestrais e seu poder de decisão sobre os territórios originais sejam respeitados.
No caso dos grupos indígenas, a tensão já estará presente
na eleição de hoje. Será a primeira vez que grupos minoritários (sem os aimará e quéchuas,
majoritários no país em que
62% se dizem indígenas) escolherão deputados para a Assembleia Plurinacional, o que é
considerado uma conquista
histórica pelos movimentos indígenas das Américas.
O Estado Plurinacional da
Bolívia, o novo nome do país
dado pela Carta que reconhece
36 povos nacionais, terá 7 deputados eleitos em "distritos
indígenas" dos 130 da Câmara
Baixa. Eram 15, mas o governo
cedeu aos apelos da oposição.
A redução provocou uma situação delicada: os sete distritos indígenas não são contínuos territorialmente. Várias
etnias votarão conjuntamente
para escolher um único representante. Como o novo registro
biométrico eleitoral (que contém foto e digital) não identifica etnia, quem quiser votar pelo candidato indígena terá de
pedir uma cédula para tal em
distritos que também escolherão deputados regulares.
A intenção de parte do movimento indígena era não só ter
representação como fazer a escolha por meio de conselhos ou
cabildos, como em suas culturas. A proposta não passou, mas
grupos defendem reapresentá-la. "Vamos exigir a mudança na
Assembleia Plurinacional", diz
Sérgio Hinojosa, do Conamaq,
uma das principais organizações indígenas.
Outra tensão projetada é o
desenho da autonomia indígena, no caso dos municípios que
decidam por ela (12 têm referendo sobre a questão hoje).
Um deles é Charagua, que pode
ter mais autonomia dentro do
bastião opositor, Santa Cruz.
Nesse ponto, há divergências
entre indígenas camponeses,
mais ou menos integrados ao
modo de produção ocidental-capitalista desde a Revolução
de 1952, e as etnias e grupos que
mantêm regime de terras comunitárias.
"A tensão deve continuar. No
caso da autonomia indígena,
que poderia desenvolver o caráter Plurinacional declarado
na nova Carta, há problemas
quando sindicatos camponeses
da base de Morales controlam o
município e não querem nem
ouvir falar dos modos comunitários de governo defendidos
pelas organizações indígenas",
diz o antropólogo Salvador
Schavelzon, que escreve atualmente tese de doutorado sobre
a Constituinte.
Por último e também central,
há a questão da exploração de
recursos naturais, como gás e
petróleo, em territórios indígenas. O governo diz que consultará as comunidades, como está
previsto na convenção da OIT
(Organização Internacional do
Trabalho) sobre povos indígenas, mas a palavra final será do
Estado.
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