São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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Mais "fogo amigo" espera Evo no 2º mandato

Presidente da Bolívia, que deve conquistar a reeleição hoje, terá como desafio a harmonização dos interesses de sua base

Nova Constituição expõe divergências entre grupos de apoio; governo admite consultas, mas manterá palavra final sobre recursos

Martin Alipaz/Efe
Funcionários da Corte Nacional Eleitoral preparamna capital, La Paz, cédulas que serão usadas na eleição presidencial de hoje

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

Evo Morales, primeiro presidente aimará da história da Bolívia, deve ser reeleito hoje, segundo as pesquisas de opinião.
A vitória do líder esquerdista pode marcar o fim do chamado "empate catastrófico" entre forças governistas e a rica oposição entrincheirada no leste do país, que se enfrentaram por quatro anos de quase ininterrupta crise política.
Mesmo que Morales consiga a almejada maioria no Senado, também em jogo hoje, e debilite mais seus opositores, seu novo mandato começará com o desafio de implementar a nova Constituição enquanto administra tensões entre grupos de sua própria base, como os indígenas minoritários, camponeses e a ala desenvolvimentista de seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo).
A nova Carta embute questões complexas como a implementação de autonomias administrativas em até quatro níveis: a departamental (exigida pelos opositores), a regional (o Chaco, onde estão as reservas gasíferas exploradas pela Petrobras, pode ganhar autonomia em relação ao departamento de Tarija), as municipais e a indígena.
Num Estado em que todos lutam pela renda do gás, a principal riqueza do país, a discussão sobre prerrogativas administrativas e financiamento é naturalmente mais difícil.
Some-se a isso as demandas de grupos indígenas que exigem que suas formas de governo ancestrais e seu poder de decisão sobre os territórios originais sejam respeitados.
No caso dos grupos indígenas, a tensão já estará presente na eleição de hoje. Será a primeira vez que grupos minoritários (sem os aimará e quéchuas, majoritários no país em que 62% se dizem indígenas) escolherão deputados para a Assembleia Plurinacional, o que é considerado uma conquista histórica pelos movimentos indígenas das Américas.
O Estado Plurinacional da Bolívia, o novo nome do país dado pela Carta que reconhece 36 povos nacionais, terá 7 deputados eleitos em "distritos indígenas" dos 130 da Câmara Baixa. Eram 15, mas o governo cedeu aos apelos da oposição.
A redução provocou uma situação delicada: os sete distritos indígenas não são contínuos territorialmente. Várias etnias votarão conjuntamente para escolher um único representante. Como o novo registro biométrico eleitoral (que contém foto e digital) não identifica etnia, quem quiser votar pelo candidato indígena terá de pedir uma cédula para tal em distritos que também escolherão deputados regulares.
A intenção de parte do movimento indígena era não só ter representação como fazer a escolha por meio de conselhos ou cabildos, como em suas culturas. A proposta não passou, mas grupos defendem reapresentá-la. "Vamos exigir a mudança na Assembleia Plurinacional", diz Sérgio Hinojosa, do Conamaq, uma das principais organizações indígenas.
Outra tensão projetada é o desenho da autonomia indígena, no caso dos municípios que decidam por ela (12 têm referendo sobre a questão hoje). Um deles é Charagua, que pode ter mais autonomia dentro do bastião opositor, Santa Cruz.
Nesse ponto, há divergências entre indígenas camponeses, mais ou menos integrados ao modo de produção ocidental-capitalista desde a Revolução de 1952, e as etnias e grupos que mantêm regime de terras comunitárias.
"A tensão deve continuar. No caso da autonomia indígena, que poderia desenvolver o caráter Plurinacional declarado na nova Carta, há problemas quando sindicatos camponeses da base de Morales controlam o município e não querem nem ouvir falar dos modos comunitários de governo defendidos pelas organizações indígenas", diz o antropólogo Salvador Schavelzon, que escreve atualmente tese de doutorado sobre a Constituinte.
Por último e também central, há a questão da exploração de recursos naturais, como gás e petróleo, em territórios indígenas. O governo diz que consultará as comunidades, como está previsto na convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre povos indígenas, mas a palavra final será do Estado.


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