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CATÁSTROFE NO CHILE
Com armas e paus, chilenos protegem casas
Moradores de áreas abastadas de Concepción se organizam em turnos de vigília para proteger propriedades durante toque de recolher
Segunda maior cidade do Chile foi palco de saques a supermercados e bancos depois de terremoto que arrasou o país no dia 27
JOÃO WAINER
SILVANA ARANTES
ENVIADOS ESPECIAIS A
CONCEPCIÓN (CHILE)
Cai a noite sobre Concepción. Sob toque de recolher,
instituído depois que supermercados, farmácias, bancos e
lojas foram saqueados e destruídos após o terremoto do último dia 27, os moradores das
áreas abastadas da segunda
maior cidade chilena apuram
os ouvidos.
Buzinaços e apitaços são os
códigos estabelecidos entre
eles para dar o alerta de perigo.
O temor que os mantém despertos durante toda a noite é o
de que bandos de assaltantes
invadam suas casas.
A premissa é que, "como não
ficou nada nos supermercados,
agora eles virão atrás das nossas coisas", diz Ivan Ortega, enquanto cuida para que não se
apague a fogueira que o aquece
na barricada improvisada à entrada da rua de sua casa.
Em outro ponto da cidade,
um grupo de 11 vizinhos, com a
companhia da cadela Tonka, vigia a portaria de seu condomínio. Como ocorre com muitos
outros grupos auto-organizados de moradores, aqueles que
têm autorização legal para portar armas não se separam mais
de seus revólveres.
"Se for necessário, disparamos para matar. Somos nós ou
eles", afirma o bombeiro Rodrigo Díaz. Em sinal de aprovação
ao "líder" que estabeleceu sua
estratégia de segurança privada, os vizinhos em vigília se
precipitam a falar. "Os delinquentes estão soltos, e nós estamos presos em nossas casas.
Aqui está faltando um Pinochet", diz Alejandro Díaz, referindo-se ao ditador que comandou o regime militar no Chile
de 1973 a 1990.
"O terremoto ficou para trás.
Agora, o que nos preocupa é o
terremoto social", afirma Fernanda Vera.
Embora esteja apavorado
com a perspectiva de uma onda
de criminalidade e violência, o
grupo não sofreu nenhuma
tentativa de assalto. "Mas antes
que os militares chegassem, vimos bandos de pessoas andando aqui em frente", conta Cristina Messer.
Foi também a circulação de
pessoas estranhas a um condomínio de 50 casas que fez o grupo sob o comando de Enrique
Pinto entrincheirar-se. "Eles
passavam observando as casas,
para voltar e assaltar as que estão vazias", diz Cynthia Delottier, que acompanha os homens atrás da barricada, no primeiro turno da vigília. São três
no total, conforme explica
Enrique Pinto. "Um grupo vigia
das 21h à 1h; outro da 1h às 4h e
o último das 4h às 7h". Aqui, a
estratégia não é usar armas de
fogo, mas sim exibir paus e ferros. "Trabalhamos com a perspectiva da dissuasão. O fato de
sermos muitos demonstra que
haverá resistência", diz Pinto.
Na noite de anteontem, a
barricada montada no início da
avenida Alemana, que dá acesso a um bairro de luxo, estava
sob o comando de adolescentes
desarmados. Até a noite anterior, eram seus pais, armados,
que faziam a vigília. "Mas depois que vieram os militares estamos mais tranquilos", diz o
estudante Franco Tempio.
O jovem acha que Concepción voltará ao normal "quando
o comércio se regularizar".
Francisca Gaete, que o ouve,
discorda. "Acho que aqui algo
mudou para sempre." Para Sofia Yañes, mudou para melhor.
"Moro nesse condomínio há
anos e não conhecia nenhum
deles. Essa tragédia nos fez
amigos", afirma.
Enquanto a Folha conversa
com os "entrincheirados", um
som rompe o silêncio. Não são
buzinas nem apitos. A metros
dali, um outro grupo em vigília
se põe de pé e dedica fortes
aplausos a um caminhão que
cruza a cidade transportando
militares.
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