São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CATÁSTROFE NO CHILE

Com armas e paus, chilenos protegem casas

Moradores de áreas abastadas de Concepción se organizam em turnos de vigília para proteger propriedades durante toque de recolher

Segunda maior cidade do Chile foi palco de saques a supermercados e bancos depois de terremoto que arrasou o país no dia 27

JOÃO WAINER
SILVANA ARANTES
ENVIADOS ESPECIAIS A CONCEPCIÓN (CHILE)

Cai a noite sobre Concepción. Sob toque de recolher, instituído depois que supermercados, farmácias, bancos e lojas foram saqueados e destruídos após o terremoto do último dia 27, os moradores das áreas abastadas da segunda maior cidade chilena apuram os ouvidos.
Buzinaços e apitaços são os códigos estabelecidos entre eles para dar o alerta de perigo. O temor que os mantém despertos durante toda a noite é o de que bandos de assaltantes invadam suas casas.
A premissa é que, "como não ficou nada nos supermercados, agora eles virão atrás das nossas coisas", diz Ivan Ortega, enquanto cuida para que não se apague a fogueira que o aquece na barricada improvisada à entrada da rua de sua casa.
Em outro ponto da cidade, um grupo de 11 vizinhos, com a companhia da cadela Tonka, vigia a portaria de seu condomínio. Como ocorre com muitos outros grupos auto-organizados de moradores, aqueles que têm autorização legal para portar armas não se separam mais de seus revólveres.
"Se for necessário, disparamos para matar. Somos nós ou eles", afirma o bombeiro Rodrigo Díaz. Em sinal de aprovação ao "líder" que estabeleceu sua estratégia de segurança privada, os vizinhos em vigília se precipitam a falar. "Os delinquentes estão soltos, e nós estamos presos em nossas casas. Aqui está faltando um Pinochet", diz Alejandro Díaz, referindo-se ao ditador que comandou o regime militar no Chile de 1973 a 1990.
"O terremoto ficou para trás. Agora, o que nos preocupa é o terremoto social", afirma Fernanda Vera.
Embora esteja apavorado com a perspectiva de uma onda de criminalidade e violência, o grupo não sofreu nenhuma tentativa de assalto. "Mas antes que os militares chegassem, vimos bandos de pessoas andando aqui em frente", conta Cristina Messer.
Foi também a circulação de pessoas estranhas a um condomínio de 50 casas que fez o grupo sob o comando de Enrique Pinto entrincheirar-se. "Eles passavam observando as casas, para voltar e assaltar as que estão vazias", diz Cynthia Delottier, que acompanha os homens atrás da barricada, no primeiro turno da vigília. São três no total, conforme explica Enrique Pinto. "Um grupo vigia das 21h à 1h; outro da 1h às 4h e o último das 4h às 7h". Aqui, a estratégia não é usar armas de fogo, mas sim exibir paus e ferros. "Trabalhamos com a perspectiva da dissuasão. O fato de sermos muitos demonstra que haverá resistência", diz Pinto.
Na noite de anteontem, a barricada montada no início da avenida Alemana, que dá acesso a um bairro de luxo, estava sob o comando de adolescentes desarmados. Até a noite anterior, eram seus pais, armados, que faziam a vigília. "Mas depois que vieram os militares estamos mais tranquilos", diz o estudante Franco Tempio.
O jovem acha que Concepción voltará ao normal "quando o comércio se regularizar". Francisca Gaete, que o ouve, discorda. "Acho que aqui algo mudou para sempre." Para Sofia Yañes, mudou para melhor. "Moro nesse condomínio há anos e não conhecia nenhum deles. Essa tragédia nos fez amigos", afirma.
Enquanto a Folha conversa com os "entrincheirados", um som rompe o silêncio. Não são buzinas nem apitos. A metros dali, um outro grupo em vigília se põe de pé e dedica fortes aplausos a um caminhão que cruza a cidade transportando militares.


Texto Anterior: Vácuo de governo na Nigéria ameaça já frágil estabilidade
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.