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Política econômica será minha, diz Néstor Kirchner
ENVIADO ESPECIAL A CÓRDOBA
Néstor Kirchner, um dos três
candidatos do PJ (Partido Justicialista) à Presidência argentina,
diz que não irá "alugar o Ministério da Economia" do país. É sua
forma de afirmar que não permitirá que, caso seja eleito, seu governo adote medidas diferentes
das que o candidato prometeu
durante a campanha.
Ele também se recusa a dizer
que economistas admira. Diante
da pergunta, responde: "Eu. Como presidente, eu serei o responsável pela política econômica".
O candidato avalia que só após
o início do novo governo será
possível recuperar a confiança
dos argentinos nos políticos do
país. Diz que adotará uma política
econômica de "produção e emprego" e que planeja negociar a
dívida externa argentina "com
descontos de pelo menos 50% e
com prazo de 50 anos".
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
(MARCELO BILLI)
Folha - As pesquisas
mostram que os argentinos se sentiram traídos nas últimas quatro
eleições. Como o sr. recuperaria a confiança
da população no novo
governo?
Néstor Kirchner - Na
Argentina, em 1989
[quando foi eleito o
ex-presidente Carlos
Menem", disseram
que ia haver uma revolução produtiva e de
trabalho e se entregou
o país a Domingo Cavallo. Veio [Fernando"
De la Rúa e disse que ia
fazer uma reestruturação ética e um país novo. Voltou Cavallo.
Digo ao povo argentino que eu garanto a
política econômica.
Óbvio que teremos
gente trabalhando na
área econômica, mas o
responsável pela política econômica serei
eu. Recuperar a credibilidade não é tarefa
fácil.
Na campanha, encontrei muita gente
que disse gostar do
que eu estava dizendo
e perguntava: "Como
faço para acreditar?".
A população não vai dar um cheque em branco ao novo governo.
Há um nível de ceticismo compreensível depois do que aconteceu aqui. O eleitor votou por uma
coisa, e fizeram outra. O próximo
governo será de gestão. As pessoas vão voltar a acreditar quando
constatarem que faremos na Casa
Rosada [sede do governo argentino" o que dissemos nas ruas.
Folha - Quem quer que seja o presidente, terá que enfrentar um Parlamento, segundo muitos analistas, hostil. Seu partido chega às
eleições rachado em três grupos.
Como governará nessas condições?
Kirchner - Houve uma época em
que se dizia que, na Argentina, se
o candidato não tivesse mais de
51% dos votos, era impossível governar. Mas não é verdade, sempre tivemos um Parlamento plural. O justicialismo já está rachado
há muito tempo. É um partido
com visões diferentes. Existe o
justicialismo do Menem, que é sinônimo de corrupção, que está
aliado ao capital concentrado na
economia, que representa aqueles
que ficaram com a riqueza e o trabalho dos argentinos. O que nós
queremos é um justicialismo plural, que construa um projeto nacional, popular, progressista.
Folha - As principais preocupações dos argentinos hoje são o desemprego e a pobreza.
Kirchner -Vamos construir um
projeto de produção e emprego,
com forte investimento público.
Vamos gerar postos de trabalho
com investimentos em infra-estrutura. Se geramos trabalho, se
geramos investimentos e temos
um projeto produtivo, vamos
avançar sobre a pobreza. Temos
de dar atenção também às políticas sociais. Enfim, levaremos
adiante um projeto econômico
com inclusão social e competitividade. Estabilidade com equidade.
Folha - É um projeto que pressupõe um governo mais intervencionista. No primeiro mês de governo,
o sr. terá de negociar com o FMI,
que pedirá menos gastos públicos.
Kirchner -Na Argentina, fracassou o mercado e fracassou o Estado empresário. Queremos um Estado pequeno, um governo com
presença e que regule e controle
os instrumentos macroeconômicos do Estado. Um mercado heterodoxo, que se complemente com
o Estado para gerar crescimento
com justiça social e dignidade.
Folha - Como o sr. negociará a dívida argentina?
Kirchner -A Argentina deve US$
180 bilhões: US$ 30 bilhões para
organismos multilaterais e US$
150 bilhões para um número
enorme de investidores. Hoje, essa dívida tem um valor que corresponde a 22% [do valor de face
dos títulos". No início de 2002, os
títulos chegaram a ser comprados
por 10% de seu valor. O que propomos é um abatimento de, pelo
menos, 50% do valor da dívida.
Vamos fazer uma reprogramação
da dívida. Não como a que fez Cavallo, que a fez por dez anos, o que
não é nada. Reprogramaremos
em, pelo menos, 50 anos, com
abatimento de juros e pagamentos que estejam de acordo com as
possibilidades do Orçamento.
Folha - Em quanto tempo os argentinos recuperarão o que perderam em qualidade de vida, renda
etc. nos últimos quatro anos?
Kirchner - Não cometerei a irresponsabilidade de, por estar em
eleição, sair com propostas demagógicas. Reconstruir a Argentina,
com justa distribuição de renda,
justiça social e um Estado eficiente, leva tempo. Começaremos a
trabalhar desde o primeiro dia.
Folha - O sr. mencionou o presidente Lula da Silva várias vezes.
Kirchner - Estou muito contente
que o Brasil tenha um presidente
como o que tem. Espero ser o presidente da Argentina para que,
com Lula, possamos integrar definitivamente o Brasil e a Argentina. É isso o que estão esperando
os países do Mercosul: que o Brasil e a Argentina coordenem rapidamente suas políticas.
Devemos construir um espaço
não apenas econômico, mas político. Temos de começar a reivindicar conjuntamente, ser uma região com pensamento independente, baseada na autodeterminação dos povos, nos princípios
de justiça social, no combate à
corrupção. Precisamos adotar políticas solidárias para sair da situação em que estamos.
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