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HISTÓRIA
Cidadãos da China querem que japoneses paguem por danos da guerra
Armas químicas do Japão ainda afetam os chineses
MURE DICKIE
DO "FINANCIAL TIMES"
Ding Shuwen se recorda de, dois
anos atrás, sentir um cheiro picante saindo de três barris enferrujados que ele pôs sobre seu "pedicab" (um riquixá puxado por
bicicleta) na cidade de Qiqihar, na
Província de Heilongjiang, nordeste da China. Mas ele não se
lembra de ter pressentido nenhum perigo. Tudo parecia estar
bem quando ele e um colega encontraram um comprador para
os barris e gastaram o que ganharam com a venda em cigarros,
garrafas de água e uma refeição.
Na mesma noite, porém, Ding
já estava gravemente doente
-vomitando, os olhos lacrimejando e grandes bolhas se formando nas partes de seu corpo
que encostaram nos barris, retirados de um canteiro de obras.
Só mais tarde é que Ding ficaria
sabendo que se tornara vítima
dos despojos de um depósito secreto de gás mostarda deixado
por soldados japoneses ao final da
Segunda Guerra, parte de um legado de guerra química grande,
mas escondido; algo que ainda
coloca em risco a vida de inúmeros chineses. "Eu nunca tinha ouvido falar em armas envenenadas
-essa idéia nunca tinha vindo à
minha cabeça", recorda Ding, em
quem o gás mostarda deixou cicatrizes. O homem para quem ele
vendeu os barris, Li Guizhen, acabou morrendo mais tarde.
Nesta semana, Ding e outros oito sobreviventes do incidente em
Qiqihar estão visitando o Japão
para tentar chamar a atenção internacional para sua situação. Na
quinta-feira, segundo aniversário
da descoberta dos barris de veneno, eles pretendem entregar uma
petição ao primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi. "Vamos ao Japão na esperança de que
os japoneses recordem sua história e o mal que foi feito", disse
Chen Rongxi, que, com sua família, foi envenenado por solo contaminado usado em seu jardim.
Culpa
A visita das vítimas também coloca em destaque as tensões sino-japonesas, poucos meses depois
dos protestos em toda a China alimentados pelo sentimento de que
Tóquio ainda não expiou sua culpa pela invasão de 1931-45. Para
advogados chineses, os incidentes
envolvendo armas químicas
ocorridos nos últimos anos abriram o que talvez seja a mais promissora frente legal para os esforços em obrigar o Japão a compensar os estrangeiros prejudicados
por suas ações durante a guerra.
As autoridades japonesas dizem
que reivindicações desse tipo não
terão validade porque, após a
guerra, a China renunciou ao direito a reparações. Contudo, numa ação legal movida em 2003,
um tribunal de Tóquio considerou que o governo foi negligente
na recuperação das armas químicas, concedendo a um grupo de
chineses o pagamento de US$ 1,7
milhão de indenização por danos.
Su Xiangxiang, um advogado
chinês que vai acompanhar as vítimas de Qiqihar, diz que a ação,
que se encontra em apelação,
criou um precedente para que outras pessoas prejudicadas por armas químicas movam ações. Su
também acusa Tóquio de relutar
em dar informações sobre as armas e sua localização.
Keiji Ide, da Embaixada do Japão em Pequim, considera essas
alegações "totalmente infundadas". Ele diz que Tóquio lamenta
a situação das vítimas e se solidariza com elas, mas que as informações sobre a localização das armas químicas se perderam no
caos que se seguiu à guerra.
Tóquio afirma que está comprometida com a promessa que
fez em 1997 de remover os vestígios de todas as armas químicas
deixadas na China. Já está claro
que o trabalho não estará concluído até o prazo final fixado para isso, em 2007, embora especialistas
japoneses acreditem que talvez só
restem 300 mil armas químicas na
China, um número muito inferior
às 700 mil estimadas alguns anos
atrás e aos 2 milhões anunciados
pela mídia estatal chinesa.
Pequim vem exigindo ações
mais rápidas, mas Tóquio diz que
o atraso não é sua culpa. Os planos de construir uma instalação
grande para desmontar as armas
em segurança foram atrasados
em parte pela insistência de Pequim em impor impostos de importação sobre os caros equipamentos necessários.
O Japão já se desculpou várias
vezes por ter usado e abandonado
armas químicas e já pagou valores
consideráveis às vítimas, embora
Tóquio se negue a descrever esses
pagamentos como indenizações.
Ding conta que já recebeu de
Tóquio um pouco mais de US$
123 mil, uma quantia considerável
na China, mas disse que não ousa
gastar esse dinheiro porque sua
saúde está estragada e ele não pode mais trabalhar. "Quero que o
governo japonês nos dê uma garantia de que vamos ter o suficiente para viver", disse ele.
Outras vítimas em Qiqihar já
deixaram claro que os pagamentos não compraram seu perdão.
Quando Gao Ming, 9, estava recebendo tratamento hospitalar
por envenenamento, sua mãe recorda que autoridades de Tóquio
visitaram o hospital e chegaram a
deixar flores para a menina. "Mas
não nos disseram uma única palavra de consolo", ela comentou.
Tradução de Clara Allain
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