São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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[+] Análise

Resolução da ONU não põe fim à crise

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM BEIRUTE

Então os grandes e os bons de East River trabalharam arduamente no Conselho de Segurança da ONU -e o fruto de seus labores foi um texto irritante e ofensivo. Quase foi possível ouvir o gemido dos libaneses diante desse esboço de resolução -um documento carregado de tanta falsidade e parcialidade que um grande amigo meu libanês o leu cuidadosamente e formulou a pergunta imortal: "Será que esses bastardos não vão aprender nada com a história?".
E estava tudo ali outra vez, as propostas de paz requentadas da invasão israelense de 1982, repletas de zonas de segurança, desarmamento e "respeito rigoroso de todas as partes", além da necessidade de soberania libanesa.
O texto nem sequer exigiu a retirada das forças israelenses do sul do Líbano, questão para a qual Wallid Moallem, o ministro sírio do Exterior chamou a atenção de imediato. Sem uma retirada israelense total, a resolução da ONU seria letra morta, disse ele, em visita estratégica a Beirute.
Uma análise cuidadosa do texto provisório apresentado pelos EUA e pela França mostra exatamente quem manda na política de Washington para o Oriente Médio: Israel. O texto não faz referência nenhuma à violência obscenamente desproporcional empregada por Israel e menciona de passagem a posição do Hizbollah de que somente libertará os dois soldados israelenses capturados em 12 de julho em troca de presos libaneses e de outros árabes encarcerados em prisões israelenses.
O conselho disse que "está atento ao caráter sensível da questão dos prisioneiros e incentiva os esforços que visam resolver a questão (sic) dos prisioneiros libaneses detidos em Israel". Aposto que o Hizbollah ficou impressionado com a parte do "estar atento", sem falar na palavra escorregadia "resolver". Depois disso, veio o verdadeiro tiro de misericórdia. A exigência do "cessar total de todos os ataques do Hizbollah" e do "cessar imediato de todas as operações militares ofensivas" de Israel. Há um probleminha aí. O Hizbollah terá que depor suas armas. Os israelenses, não.
Se o Conselho tivesse exigido uma resolução imediata sobre o futuro das Fazendas de Shebaa, território ocupado por Israel que no passado pertencia ao Líbano, e por cuja "libertação" o Hizbollah vem lutando, a coisa poderia ter tido alguma chance de dar certo. Mas o documento da ONU pediu apenas uma delimitação das fronteiras do Líbano, "incluindo a área das Fazendas de Shebaa".
Houve até mesmo um parágrafo fantástico, que "pede a todas as partes que cooperem... Com o Conselho de Segurança". Então o Hizbollah deve cooperar com os austeros diplomatas desse organismo respeitável e sábio? Será que isso não significa elevar um exército guerrilheiro a uma posição mais nobre do que merece?
Mas ninguém se deixou enganar. Poucos discordaram do sírio Wallid Moallem quando ele falou que o texto provisório de resolução da ONU é "receita para a continuação da guerra". E continuar a guerra foi o que o Hizbollah e Israel fizeram. Isaac Hertzog, o ministro israelense do Turismo, anunciou: "Ainda temos os próximos dias para realizar muitas missões militares".
Houve mais ataques aéreos israelenses contra os subúrbios do sul de Beirute, garantindo que ainda mais milhares de civis xiitas vão continuar refugiados nas escolas vazias e nas ruas cada vez mais imundas de Beirute e a gasolina virou artigo de luxo. Mais ou menos a única concessão ao Líbano na resolução da ONU foi a necessidade expressa de que a ONU receba os mapas israelenses remanescentes que indicam a localização de minas terrestres no Líbano.
E, como de costume, o texto provisório da ONU sobre essas idéias de concepção impossível "decide permanecer ativamente atualizado em relação ao assunto". Pode apostar que sim. E assim, como dizem, a guerra continua.


Tradução de Clara Allain


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