São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2001

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CONFERÊNCIA CONTRA O RACISMO

Impasses e polêmicas deverão obrigar as delegações a optar por documentos finais amplos, moderados e vagos

Durban pode ficar "em cima do muro"

Associated Press
Iranianas que integram ONGs de mulheres de seu país participam da conferência de Durban


FERNANDA DA ESCÓSSIA
ENVIADA ESPECIAL A DURBAN

Após madrugadas de negociação, a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata prepara documentos marcados pelo silêncio em relação a temas polêmicos.
Diante do impasse nas negociações, a ONU informou que há possibilidade de que a conferência só termine amanhã, e não hoje, como previsto.
Um documento de consenso sobre o Oriente Médio, proposto pelo governo sul-africano, reflete todas as pressões da Europa (ainda presente) e dos EUA (ausentes de Durban).
O texto sul-africano lembra a existência tanto de anti-semitismo como de discriminação contra muçulmanos e árabes. Fala do Holocausto sofrido pelo povo judeu (no singular e com letra maiúscula) e reconhece o direito a um Estado palestino e à segurança dos países da região -referência a Israel.
É considerado um documento moderadíssimo, pois não avança em nada além do que a própria ONU já reconhece em relação aos palestinos.
Não fala de sionismo (movimento político e religioso surgido no século 19 pelo estabelecimento de um Estado judaico) e muito menos o compara ao racismo -vinculação que provocou a saída de EUA e Israel da conferência. Faltava ainda a resposta final dos árabes, que, até ontem à noite, não haviam expressado sua concordância absoluta.

Prorrogação
A ONU informou que é possível prolongar a conferência até amanhã. A prática é, à meia-noite, "parar os relógios" e manter a sessão até quando for necessário. Houve boatos até de que a conferência seria interrompida e retomada posteriormente em Genebra, na Suíça, onde fica a sede do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
"Acho lamentável que, por causa de um tema eminentemente político, o Oriente Médio, a discussão sobre direitos humanos e outras minorias tenha sido prejudicada. É decepcionante", afirmou à Folha Ryan Goodman, professor de direito internacional na Universidade de Chicago.
Goodman disse ter ainda uma última esperança de que, hoje, haja um esforço final para produzir acordos, especialmente sobre as reparações. "Pelo menos esse tema foi incluído definitivamente na agenda do mundo", afirmou.
Para Mark Lattimer, do Grupo Internacional de Defesa das Minorias, sediado em Londres, os governos estão se apegando à literalidade para evitar compromissos diretos no combate à discriminação.
"Para tudo há ressalvas, limites, expressões que condicionam o combate ao racismo à vontade dos governos. O tempo está passando e não vejo medidas concretas", afirmou Lattimer.
Nas discussões dos grupos de trabalho, a palavra raça virou um tabu. A África exige incluir o termo como fator de discriminação, enquanto países europeus e o Canadá não querem mencionar o tema, alegando que só existe no mundo uma raça, a humana.
Cada vez que a palavra raça aparece num parágrafo, começam os debates, atrasando ainda mais a aprovação dos documentos finais.
"Essa conferência vai virar uma conferência de "ismos", já que não se pode falar de quase nada aqui", disse o delegado da Jamaica, no grupo de trabalho que elabora o programa de ação da conferência.


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