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CORDA BAMBA
Francês que cruzou, num cabo de aço, o vão entre as torres do WTC espera que as reconstruam
"Gostaria de fazer aquilo outra vez"
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Se reconstruírem o World Trade Center, gostaria de fazer aquilo
outra vez." Aquilo, no caso, exige
determinação e muita coragem:
estender um cabo de aço entre as
duas torres gêmeas do conjunto
comercial nova-iorquino e percorrer o fio metálico bem devagar, equilibrando-se sobre o nada.
O francês Philippe Petit, 52, realizou a proeza em agosto de 1974.
Eram 7h do dia 7. Petit encontrava-se no topo da torre sul. De lá,
podia avistar perfeitamente a torre norte. Idênticas, cada uma tinha 110 andares e 417 m de altura.
Só o vazio as separava -um vazio
de 60 passos largos, se tanto, que
naquela manhã ganhara uma
ponte inusitada: o cabo de aço, tão
espesso quanto o dedo polegar de
um adulto.
Petit respirou fundo e iniciou a
travessia às 7h15, sem rede de segurança. Manejava uma vara flexível, que o ajudava a manter o
equilíbrio. Do solo, uma pequena
multidão aplaudiu quando o
francês chegou à torre norte. Imaginavam que o passeio havia terminado. Não: Petit ainda cruzaria
o cabo (ou arame, como ele prefere chamar) mais seis vezes.
Toda a performance demorou
45 minutos. E não se limitou propriamente à caminhada -de
tempos em tempos, sobre a precária ponte, o equilibrista saudava
o céu, acenava para o público, sorria, deitava-se, inventava coreografias graciosas.
Com os atentados terroristas do
último dia 11, as torres gêmeas
deixaram de existir. O francês, no
entanto, alimenta a esperança de
que as reconstruam. Deseja repetir, agora cinquentão, a façanha
que protagonizou aos 25 anos.
"Se arruinassem o seu lar", explicou à Folha, por telefone, durante entrevista de 40 minutos,
"você teria duas opções: ou iria
embora e tentaria viver sem sua
casa ou decidiria reerguê-la, como uma expressão de vitória, revolta e idealismo. Na minha opinião, as torres deveriam ressurgir,
sim -não iguais às anteriores,
mas no mesmíssimo lugar de onde as extraíram."
Vôo sem asas
Petit associa o WTC a um lar
porque mora em Manhattan desde aquele agitado 1974. Desembarcou na ilha com uma única intenção: concretizar a travessia sobre a metrópole. Não falava inglês
direito, não trazia dinheiro, não
conhecia ninguém. "Quando
consegui o que buscava, pensei: já
posso partir. Passaram-se uns
dias e não arrumei as malas. Uma
semana, um mês, um ano... Acabei permanecendo."
Nascido em Nemours, cidade
próxima a Paris, evita se definir
simplesmente como equilibrista.
Prefere que o considerem "um artista do arame". "Não se trata de
loucura, aventura ou exibicionismo. O que faço é arte."
Uma "arte" que aprendeu sozinho. "Não venho de família circense e nunca frequentei escolas
do gênero." Menino, sonhava em
se tornar um pássaro. "Escalava
árvores, rochas, tudo." Provavelmente, herdou do pai -um piloto de aviões militares- o fascínio
por altura.
De tanto subir aqui e ali, "de
tanto cair e levantar", condicionou o próprio corpo "a voar sem
asas". "Vôo há quase quatro décadas." E ganha a vida principalmente assim, com os espetáculos
de equilibrismo. "Também sou
malabarista, mágico e escritor."
Está preparando mais um livro, o
oitavo, sobre "a arte de flutuar".
Crime perfeito
Em 1971, fez a primeira "decolagem" radical. Fixou o arame entre
duas torres da catedral parisiense
de Notre Dame e saiu andando, a
73 m do chão. Por não pedir permissão para nenhuma autoridade, terminou preso.
Dois anos depois, em Sydney,
repetiu a dose entre os arcos de
uma ponte. "Naquele tempo, já
cismava com o World Trade Center." Recém-inauguradas, as torres gêmeas o atraíam "pela beleza". "Resolvi que iria cruzá-las.
Não por heroísmo, mas como um
ato de poesia."
Secretamente, começou a projetar o que, à época, chamou de
"crime perfeito". "Imaginei que
iria assaltar um banco." Teve de
agir às escondidas porque sabia
que não lhe dariam autorização
para a caminhada.
Três amigos franceses -"meus
cúmplices"- o auxiliaram. "Instalamos o cabo à noite, no cume
das torres, agachados, sem luz e
praticamente sem barulho."
Como conseguiram subir com
uma tonelada de equipamentos?
Petit não entra em detalhes. "O fato é que, de manhã, pude iniciar a
travessia."
Enquanto se equilibrava, experimentou uma espécie de transe.
Não sentiu os minutos correrem,
não contou as idas e vindas no
arame, não premeditou o delicado balé que ofereceu à platéia.
"Entreguei-me ao improviso."
Logo a polícia apareceu. Aguardou que encerrasse a performance e o prendeu, alegando invasão
de propriedade e perturbação da
ordem. Também o submeteu a
exames psiquiátricos.
"Acontece que eu não havia
causado estrago algum nem machucado ninguém. Cometi apenas um crime artístico." Aplicaram-lhe, então, uma penalidade
artística. "Mandaram que me
apresentasse de graça no Central
Park." Vinte mil pessoas o prestigiaram. "Andei em um arame inclinado, sobre o Belvedere Lake."
O passeio entre as torres gêmeas
rendeu-lhe a primeira página dos
jornais americanos. Disputou as
manchetes com o escândalo de
Watergate -que, um dia depois
da travessia, iria obrigar o presidente Richard Nixon à renúncia.
Lindamente simples
Nunca mais Petit enfrentou alturas tão gigantescas quanto à do
WTC nem precisou retomar as
artimanhas de fora-da-lei. "Virei
celebridade e agora costumo me
exibir a convite de políticos e empresários." Já soma 80 espetáculos nos cinco continentes.
Quando Paris festejou o bicentenário da Revolução Francesa,
por exemplo, o equilibrista meteu-se em um cabo inclinado e caminhou do rio Sena até o segundo
andar da torre Eiffel. No ano que
vem, pretende encenar uma ópera solitária sobre o rio Colorado,
no Grand Canyon.
"É uma profissão perigosa, claro. Só que também é simples, lindamente simples. Cerco-me dos
cuidados necessários e sigo adiante. Não me tornei um homem rico, mas atendi à minha vocação."
A respeito dos ataques terroristas, discorre muito pouco. "O que
dizer? Não entendo de política. O
mundo dos políticos não me interessa. Foi pela televisão que vi o
WTC desabar. E pensei no horror,
na tristeza, no inverso de tudo o
que sempre cultivei. Mal pude
acreditar."
Solteiro, sem filhos, não cogita
sair de Manhattan mesmo depois
do que ocorreu. "Vou ficar."
Quanto à vontade de escalar novamente as torres gêmeas e pender sem nenhuma proteção entre
o norte e o sul, justifica-a com
apenas um argumento: "Quero
que as pessoas voltem a olhar para o céu".
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