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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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Poder de compra não eleva nível de satisfação, diz autor

DE NOVA YORK

Dinheiro realmente não traz felicidade -essa é a tese que norteia a discussão do novo livro de Gregg Easterbrook, "Progress Paradox" (paradoxo do progresso).
O autor -premiado jornalista, colaborador do "New York Times" e do "Washington Post", entre outras publicações- diz que um padrão de vida mais elevado, maior nível de renda dos países ricos e mesmo o triunfo de instituições democráticas não se traduzem numa escalada do grau de felicidade nos países ricos.
"De um modo objetivo, podemos dizer que, hoje, todas as pessoas vivem melhor que na geração anterior", disse ele, em entrevista à Folha. Mas Easterbrook, 50, culpa a mídia pelo mal-estar atual. Para ele, há um "culto à insatisfação". "Boas notícias não vendem jornal. A sociedade ocidental vive hoje numa cultura que enfatiza as reclamações."

Folha - No seu livro, o sr. avalia que os progressos materiais alcançados pelos países ocidentais não têm sido acompanhados pelo crescimento do nível de contentamento individual das pessoas. Por quê?
Gregg Easterbrook -
A sociedade ocidental vive hoje numa cultura que enfatiza as reclamações. A mídia dá demasiada importância a fatos que alimentam a raiva das pessoas. Apesar de a vida hoje ser melhor do que no passado, as pessoas estão tão focadas nos problemas que não conseguem ver isso.

Folha - O sr. poderia detalhar como a mídia exerce um impacto tão negativo no grau de felicidade?
Easterbrook -
A mídia constantemente só reporta as notícias ruins, o que é compreensível porque essas são as notícias que a sociedade tem mais urgência em ouvir. Boas notícias não vendem jornal. Como a mídia ficou muito mais eficiente em reportar notícias ruins em todo o mundo, as pessoas assistem a uma constante veiculação de desastres. Num mundo com 6 bilhões de habitantes, sempre alguma coisa errada vai acontecer. Esse tipo de divulgação provoca a sensação de que tudo está errado no mundo. Mesmo nos países em desenvolvimento, as coisas têm melhorado para a maioria das pessoas.

Folha - Mas a mídia não tem a obrigação de informar sobre os fatos ruins?
Easterbrook -
Claro que não podemos esperar só notícias agradáveis. Não queremos apenas jornalistas sorridentes dizendo que tudo vai bem. O mundo está cheio de injustiças e problemas. A questão é que, como a mídia tem mostrado, parece que não há nada de positivo em andamento.

Folha - Esse mal-estar é um "privilégio" das sociedades dos países desenvolvidos?
Easterbrook -
Eu acredito que, quanto mais as economias dos países em desenvolvimento prosperarem, mais veremos esse tipo de fenômeno ocorrer. As pessoas também acabarão por ficar mais concentradas nas reclamações.
Primeiro, há um estágio no qual as energias estão concentradas no sucesso material e na sobrevivência: comer, vestir etc. Uma vez atingidos esses objetivos, há mais tempo para ficar aborrecido e insatisfeito, e aí entra a mídia.
Claro que não ter acesso à saúde ou à alimentação é terrível. No entanto as pessoas cometem um erro ao acreditar que bens materiais trazem felicidade. Estudos nos EUA mostram que, entre pessoas que têm uma rendimento anual de US$ 10 mil, o incremento da renda aumenta o grau de felicidade na mesma medida. Acima disso, o aumento da aquisição de bens materiais não é proporcional à evolução do grau de satisfação.

Folha - Quando a satisfação pessoal e a melhoria do padrão de vida tomaram trajetórias diferentes?
Easterbrook -
Os estudos psicológicos sobre o tema começaram nos anos 50. Desde então, vemos que não há um declínio no grau de satisfação das pessoas, mas o aumento dos padrões de vida não é acompanhado por um aumento da felicidade. Os sinais são claros. Em todos os países desenvolvidos, a depressão toma uma dimensão de epidemia.

Folha - O que a mídia poderia fazer para atenuar esse grau de insatisfação?
Easterbrook -
A mídia tem de achar um meio de informar as boas notícias sem parecer uma Poliana. Tem de equilibrar a carga de notícias ruins com o que há de positivo. Quando vemos um país como o Brasil, é importante que os jornalistas se questionem: "Esses problemas são grandes em comparação com quais países?". Convém lembrar as previsões de explosão demográfica e catástrofes ambientais feitas para o país. O quadro hoje no Brasil é outro.


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