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AMÉRICAS
Governo Bush se diz decepcionado com "giro à esquerda" de Kirchner; Buenos Aires cobra respeito à sua autodeterminação
EUA e Argentina trocam acusações
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
No momento de maior tensão
nas relações entre Argentina e
EUA desde o início do mandato
do presidente Néstor Kirchner
(maio), o governo argentino rebateu ontem críticas feitas pelo secretário-assistente de Estado para
as Américas, Roger Noriega, de
que o país estaria fazendo um "giro à esquerda" que "decepcionou" a Casa Branca.
Durante uma conferência no
Conselho das Américas, anteontem em Nova York, Noriega afirmou ainda que os EUA estão
"preocupados" com a política de
Kirchner em relação a Cuba.
No ano passado, após décadas
de desavenças, a Argentina reatou
relações diplomáticas com Cuba.
Em fevereiro, Kirchner deve fazer
sua primeira visita à ilha.
"Tem havido incidentes, instâncias particulares, nos quais temos
estado decepcionados com as decisões das autoridades argentinas", disse Noriega. "Notei que a
política argentina parece ter feito
um giro à esquerda, o que é desconcertante porque a Argentina é
um país importante que deveria
estar conosco na promoção dos
direitos humanos."
"Quando o chanceler [Rafael]
Bielsa viajou a Havana [em outubro de 2003] e não se reuniu com
nenhum dos dissidentes, enviou
uma imagem muito ruim da política externa argentina", criticou.
As críticas ocorrem dias após
declarações do porta-voz do Departamento de Estado dos EUA
Adam Ereli de que Cuba e Venezuela estão fomentando um sentimento antiamericano na região
que incomodaria "vizinhos".
Segundo Ereli, a estratégia dos
dois países teria como base treinamentos e doutrinação política
financiados com dinheiro do petróleo venezuelano, com objetivo
de "trocar experiências" e eventualmente infiltrar pessoas e militares em outros países.
Na semana passada, Noriega -
um cubano-americano anticastrista - acusou o ditador Fidel
Castro de querer "desestabilizar
governos eleitos democraticamente" na região.
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, aproveitou a ocasião
para colocar lenha na fogueira.
"Há um eixo que está se formando, um eixo Caracas-Brasília-Buenos Aires, um eixo em torno
do qual se está desenvolvendo
uma nova visão geopolítica, econômica, de integração", afirmou,
ao tratar da expectativa em torno
da reunião da Cúpula das Américas na próxima semana, em Monterrey (México).
As declarações de Noriega, que
coincidiram com um pedido do
presidente George W. Bush para
um encontro privado com Kirchner na terça-feira, em Monterrey,
provocaram fortes reações por
parte do governo argentino.
"Nocaute"
"Ganharemos por nocaute",
reagiu Kirchner, questionado sobre o encontro com Bush.
"Deixamos de ser um tapete.
Podemos aceitar e realizar reuniões, mas ninguém nos convoca,
muito menos para nos desafiar,
porque somos um país independente e com dignidade", disse.
"Me chama a atenção que em
um país que se importa com a democracia e levanta a bandeira dos
direitos humanos se rechace a autodeterminação de um país democrático como a Argentina",
disse o chanceler Rafael Bielsa.
O governo ressaltou ainda que
"já não existem mais relações carnais nem alinhamento automático", em referência ao ex-presidente Carlos Menem (1989-99),
que adotou posicionamento fortemente atrelado aos EUA.
A Argentina, por exemplo, foi o
único país da América do Sul a
participar da coalização anti-Iraque, junto aos EUA, durante a
Guerra do Golfo (1991).
Mas, desde a profunda crise política e econômica do final de
2001, que culminou com a queda
do governo De la Rúa, a Argentina mudou de posição, sentindo-se abandonada pelos EUA, que teria deixado o país "quebrar".
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