São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 2006

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Morte abala política externa de Lula

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A morte do general Urano Bacellar, ontem, em Porto Príncipe (Haiti), foi um duro golpe tanto à política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva como ao Exército, como instituição.
Liderada pelo Brasil, a missão de paz da ONU no Haiti tem servido como um dos alicerces do Itamaraty para vender ao mundo a possibilidade de o país obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em 2004, ao receber dos EUA o comando da missão haitiana, o Brasil passou a liderar pela primeira vez uma força da ONU justamente para chamar a si uma maior responsabilidade nas ações da instituição.
Agora, com a morte de Bacellar, o governo sabe que aumentarão as críticas e terá de dar explicações cada vez mais constantes, principalmente no Congresso, se vale a pena arriscar a vida de homens brasileiros em troca de uma aspiração da política externa -desgastada na semana passada pelo fato de o Japão ter desistido de assinar o projeto de reforma do Conselho de Segurança apoiado por Brasil, Índia e Alemanha.
Já no Exército o desgaste pode vir da eventual confirmação de que o comandante da Minustah cometeu suicídio em seu alojamento em Porto Príncipe.
Casos de suicídio são comuns nas Forças Armadas, mas não entre oficiais generais. Tal confirmação ocorreria no momento em que a auto-estima dos militares não é das melhores. O próprio comandante do Exército, general Francisco Roberto de Albuquerque, tem admitido publicamente o sucateamento da Força e a impossibilidade de seus comandados fazerem três refeições diárias.
Até o início da tarde de ontem o Itamaraty não tinha a confirmação do motivo da morte de Bacellar porque o exame de balística ainda estava sendo efetuado. No Haiti, as tropas brasileiras foram informadas do fato durante uma missão numa favela da capital.
Na tarde de ontem, eram aventadas duas possibilidades. Uma, que o Exército encampou rapidamente, de que a morte foi acidental, e a outra, também considerada no Itamaraty, que era a de suicídio. Mas os diplomatas não queriam falar nada oficialmente por falta de confirmação técnica.
O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), que estava no Rio com a família, retornou a Brasília, onde se reuniu com o ministro da Defesa e vice-presidente, José Alencar, e com assessores do Ministério da Defesa e do comando do Exército no fim da tarde.
O chanceler também conversou sobre o fato com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e com a secretária de Estado americana, Condoleeza Rice.
Em nota, o Itamaraty afirmou que o general era "conhecido por seu preparo e competência" e "vinha conduzindo com excelência e grande responsabilidade a difícil tarefa de comandar o componente militar da missão", e disse que Lula "reitera sua plena confiança no trabalho desenvolvido pelas tropas brasileiras no Haiti e reafirma a determinação do governo brasileiro de continuar apoiando o povo haitiano na construção da paz e normalização política" do país. Por fim, o texto pede que a ONU "conduza imediata e ampla investigação sobre o assunto" e dispõe que autoridades da Defesa, das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional acompanhem o processo.
Amorim conheceu pessoalmente o general Bacellar na última vez em que esteve em Porto Príncipe, após voltar de Nova Iorque, no final do ano passado. A assessores, o ministro descreveu o general como "uma pessoa muito afável, gentil e que parecia muito satisfeito com o trabalho que desempenhava em nome do governo brasileiro".


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