São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 2006

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Direita retoma tese da "vitória" dos EUA no Vietnã

Jim MacMillan - Arquivo/Associated Press
Soldado americano utiliza seu capacete para atrair um franco-atirador durante combate, em Najaf


CLAUDIA ANTUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE CAMBRIDGE (EUA)

A tese de que os EUA, na verdade, não foram derrotados no Vietnã está sendo retomada em círculos políticos e militares próximos à Casa Branca. É uma reação ao aumento da rejeição à Guerra do Iraque e à pressão interna para o estabelecimento de um cronograma de retirada dos soldados americanos do território iraquiano.
Segundo essa interpretação, as forças norte-vietnamitas e a guerrilha vietcong estavam derrotadas quando as últimas tropas de combate americanas deixaram o país, em 1973. O Exército sul-vietnamita, treinado pelos EUA, teria condições de deter o avanço inimigo se o Congresso americano não cortasse a ajuda militar a Saigon (hoje Ho Chi Minh) em 1975, depois da renúncia do republicano Richard Nixon [1969-74].
O argumento -detalhado no penúltimo número da revista "Foreign Affairs" por Melvin Laird, que foi secretário da Defesa de Nixon- tem múltiplas implicações políticas. Em primeiro lugar, sustenta a pressão contra iniciativas do Congresso que possam precipitar uma saída do Iraque antes que os EUA sejam capazes de se proclamarem vitoriosos.
Recentemente, o presidente George W. Bush chamou os defensores da saída de "derrotistas".
Em segundo lugar, a tese pretende demonstrar que o projeto americano de "nation-building" -estabelecer um governo estável e um Exército eficaz- no Vietnã do Sul deu certo e teria sido bem-sucedido se os EUA não tivessem "traído" seus aliados. O mesmo sucesso, prossegue a analogia, pode ser obtido no Iraque desde que Washington seja persistente e evite os erros cometidos há 30 anos.
Finalmente, a interpretação sugere que a oposição dentro dos EUA foi a única causa -e não parte das causas- da vitória comunista em 1975. Portanto, o Vietnã não teria caído se os americanos tivessem controlado a dissidência interna e usado o poder militar com maior determinação.
"A verdade sobre o Vietnã que os revisionistas convenientemente esquecem é que os EUA não haviam perdido quando nos retiramos em 1973. De fato, nós arrancamos a derrota das garras da vitória dois anos depois, quando o Congresso cortou o financiamento que havia permitido ao Vietnã do Sul continuar a luta sozinho", disse Laird na "Foreign Affairs", usando o mesmo termo -revisionistas- usado pela Casa Branca contra os que acusam o governo de ter falsificado provas para justificar a invasão do Iraque.
A partir de 1969, Laird coordenou os planos de "vietnamização" do conflito. A responsabilidade pelas operações terrestres foi sendo transferida ao Exército sul-vietnamita, enquanto os EUA reforçaram os bombardeios aéreos.
No artigo, ele afirma que resolveu "romper o silêncio" diante da "renovada vilificação" do papel dos EUA no Vietnã à luz da Guerra do Iraque. "O legado dessa desinformação deixou os EUA com medo de guerras, profundamente avessos a intervir mesmo numa causa justa e desconfiados de sua capacidade de sair de uma guerra uma vez que estejam nela."

Ofensiva do Tet
Laird também critica a imprensa, que acusa de retratar a Guerra do Iraque como "um fracasso e uma futilidade" -da mesma maneira que retratou a Ofensiva do Tet, em 1968 (em que o Vietcong perdeu dezenas de milhares de homens), como uma derrota dos EUA. A ofensiva marcou a virada da opinião pública contra o envolvimento do país no Vietnã.
O artigo do ex-secretário de Defesa foi saudado por Fred Barnes, editor-executivo da "Weekly Standard", revista próxima ao governo. "A lição é clara: uma guerra pode ser vencida no exterior e perdida em Washington", concluiu Barnes. Há quatro meses, a revista já chamara a atenção para a publicação em livro de trechos dos arquivos do general Creighton Abrams, comandante americano no Vietnã a partir de 1969.
Os trechos foram selecionados pelo tenente-coronel reformado e veterano do conflito Lewis Sorley, cujo livro "A Better War" (uma guerra melhor), de 1999, defende que os EUA venceram militarmente no Vietnã. Sorley diz que a vantagem americana foi fruto da estratégia de Abrams, que substituiu as operações de "busca e destruição" lançadas entre 1965 e 1968 pelas de "limpeza e controle", para criar "áreas seguras" para a população do Sul, minando as bases de apoio à guerrilha.
O argumento da vitória americana no Vietnã não é novo, diz o cientista político Dan Reiter, co-autor de "Democracies at War" (democracias em guerra): "Tanto Nixon quanto [o ex-secretário de Estado Henry] Kissinger defenderam essa idéia por anos".
Para Reiter, é verdade que a estratégia militar dos EUA a partir de 1969 obteve melhores resultados, mas a sobrevivência do Vietnã do Sul se a ajuda americana fosse mantida é especulação. "O Exército sul-vietnamita não era tão eficaz assim, o governo não era tão legítimo assim. Mais ajuda poderia atrasar o colapso, mas não sei se seria capaz de manter um Estado viável a longo prazo."
Outros pesquisadores questionam a eficácia das operações de "limpeza e controle", uma vez que muitas vezes a segurança foi obtida com bombardeios que destruíram aldeias inteiras.
"O livro de Sorley é interessante, mas o outro lado, que ele não enfatiza, é que os norte-vietnamitas e o Vietcong, depois de 1968, evitaram confrontações a fim de reagrupar suas forças até a grande ofensiva de março de 1972 [que levou os EUA a negociarem o cessar-fogo de janeiro de 1973]. Desse modo, a segurança relativa no Vietnã do Sul entre 1970 e 1972 também tem muito a ver com a estratégia do inimigo", diz George Herring, autor de "America's Longest War" (a guerra mais longa da América).
Herring contesta que a "vietnamização" tenha dado certo. "Os sul-vietnamitas não estavam preparados para lutar sem o apoio dos EUA, e isso independe do que houve no Congresso em 1975."
Quanto ao peso da oposição interna, Reiter lembra que a Guerra do Vietnã, justificada pela necessidade de frear a expansão comunista na Ásia, teve por muito tempo o apoio da maioria nos EUA.
De fato, um estudo do cientista político John Mueller, da Universidade de Ohio, também na "Foreign Affairs", mostra que a queda da aprovação à Guerra do Iraque começou mais cedo do que no caso do Vietnã. "No início de 2005, quando as baixas [no Iraque] estavam em torno de 1.500, a porcentagem dos que consideravam a guerra um erro -pouco mais da metade- era a mesma dos que consideravam a Guerra do Vietnã um erro na época da Ofensiva do Tet, quando quase 20 mil soldados já haviam morrido", escreveu Mueller.
Na opinião de Herring, o problema de teses como as de Laird é que elas são "etnocêntricas demais". "Quando há um fracasso, deve ser por nossa culpa, e procuramos bodes expiatórios em nosso meio: as más escolhas de nossos líderes, a mídia, o movimento antiguerra. (...) O fato é que, no Vietnã, mais bombardeios ou guerra não teriam resolvido o que sempre foi o problema central -a viabilidade do Vietnã do Sul."
Laird, por seu lado, não subestima os custos e riscos da ocupação do Iraque. Para que os iraquianos não sejam traídos, como ele acredita que os aliados sul-vietnamitas foram, ele sugere que Bush e seus secretários "sejam honestos" em relação à guerra. "O público americano vai tolerar perdas de vidas se o conflito tiver objetivos alcançáveis, que valham a pena e que sejam abraçados claramente pelo governo."


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