São Paulo, sábado, 08 de janeiro de 2011

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ANÁLISE

Sem rota para o mar, Estado nasce dependente de vizinhos

GUSTAVO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Processos de independência são sangrentos. Sempre foram. A independência americana é um exemplo.
Kosovo (2008) e Timor Leste (2002), outros mais recentes.
O Brasil é caso quase único de independência pacífica.
Por isso, o temor em relação ao referendo de independência do sul do Sudão. Se já esperamos que a criação de um país envolva guerra, o que esperar em um país que esteve em guerra civil durante quatro das últimas cinco décadas?
Trabalhei no país em 2007 e o contraste entre norte e sul é dramático. O norte, muçulmano, desértico e árabe, assemelha-se mais ao Egito do que ao sul, que é cristão, negro e com geografia semelhante à de Uganda.
Mas a tensão não é só étnica-religiosa. É também econômica. Com reservas estimadas pelos EUA em 6,8 bilhões de barris e com o petróleo representando mais de 90% das exportações do país, quem ficar com o óleo ficará com o único ativo importante.
E mais: controlará a vigésima maior reserva de petróleo do planeta.
A maior parte desse petróleo está no sul, nas bacias de Melut e Muglad, mas exportado via oleodutos que desembocam no mar Vermelho, no norte. E é aí que está o receio da comunidade internacional.
Exemplos como o genocídio de 1994 em Ruanda e, mais recentemente, na República Democrática do Congo deixam claro que a comunidade internacional se preocupa menos com as vidas alheias do que com seus próprios interesses.
E o petróleo interessa, especialmente aos grandes consumidores como China, EUA e Europa, que agora têm um quebra-cabeça complicado nas mãos.
O resultado do referendo votado apenas pelos habitantes do sul é certo: independência. A reação do norte é que é incerta. Sem óleo, o norte não é diferente do Chade, ao oeste, e perecerá.
Uma secessão conflituosa forçará a construção a toque de caixa do terceiro maior oleoduto do mundo, já que o sul não terá saída para o mar.
Com quase 2.000 km, terá que passar pelo norte do Quênia, região conturbada, e criará uma dívida externa para o novo país que durará mais do que suas reservas, além de uma dependência de vida e morte em relação ao Quênia.
A rota mais curta, via Etiópia e Somália, é impossível porque a Somália sequer governo tem. O país já nascerá na UTI.

GUSTAVO ROMANO é fundador do projeto Para Entender Direito (www.ParaEntenderDireito.org) e tem mestrado em direito em Harvard


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