São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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Instabilidade econômica vira caso de política

Novos relatórios da CIA sobre efeitos sociais e institucionais da crise financeira mundial marcam guinada na inteligência dos EUA

Para historiador, "eixo do mal" de Bush foi substituído pelo "eixo do tumulto"; diretor de Inteligência muda fala antes focada em terror


28.fev.09/Xinhua
Dezenas de milhares de desempregados fazem fila para participar de feira de empregos, na China

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Saem as células adormecidas, entram os bancos centrais falidos. Sai o extremismo islâmico, entra o derretimento financeiro. Saem os ataques suicidas, entram os protestos econômicos. Sai o "eixo do mal" ("axis of evil", na expressão em inglês), entra o "eixo do tumulto" ("axis of upheaval").
Desde a semana retrasada, por ordem de Barack Obama, a comunidade de inteligência norte-americana vem dedicando a mesma atenção à geopolítica da instabilidade econômica mundial que seu antecessor dava às atividades terroristas. Todas as manhãs, junto do relatório de potenciais ameaças aos EUA, a CIA passou a deixar na mesa presidencial o Resumo de Inteligência Econômica.
No levantamento diário, a pedido de seu novo diretor, Leon Panetta, a principal agência de inteligência norte-americana relaciona as "zonas quentes" do globo em termos de efeitos e possíveis desdobramentos da crise financeira. A iniciativa faz parte de uma diretriz mais ampla dada pelo novo diretor de Inteligência Nacional, Dennis Blair.
Em depoimento ao Senado, no mês passado, o almirante da reserva já havia dito que o mundo mudara e sua atividade mudara com o mundo -ele modificou seu texto de apresentação horas antes da fala, optando por privilegiar a ameaça econômica em detrimento da terrorista. "Crises econômicas podem aumentar o risco da instabilidade ameaçadora de regimes, se durarem de um a dois anos", disse Blair então.
A recessão norte-americana atual já entra em seu 15º mês, o que faz dela a terceira mais longeva desde a Depressão dos anos 30. O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê para 2009 o pior desempenho econômico mundial desde a Segunda Guerra.
O almirante Michael Mullen, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, ecoou Blair em entrevista recente. "A [nossa] preocupação mais ampla é com a crise financeira global, que certamente colocará governos em posições muito mais fracas", disse, indagado sobre o Resumo de Inteligência Econômica. "Eu me concentrei nisso nos últimos meses e manterei aí a atenção."
Com exceção de Panetta, que citou Argentina, Equador e Venezuela na América Latina, para depois recuar com os protestos, nenhum deles dá nomes aos países que estão sob observação. Sabe-se, no entanto, que a lista contém certamente países da Europa Oriental, China e Índia e os chamados petro-Estados (veja mapa nessa página).

Do Congo à Ucrânia
Se o governo não solta a lista, pelo incidente diplomático que isso criaria e por medo de profecia autorrealizável, Niall Ferguson faz o serviço. É do historiador britânico o termo "eixo do tumulto", que ele lança hoje em artigo a ser publicado no "Times" de Londres. O professor de Harvard faz um trocadilho em inglês com "eixo do mal", como George W. Bush qualificou Irã, Iraque e Coreia do Norte em discurso de 2002 -o "axis of upheaval" econômico de Ferguson soa quase como o "axis of evil" bushista.
Na lista que ele passa à Folha estão, pela ordem, Congo, Zimbábue, Somália, faixa de Gaza, Iraque, Irã, Afeganistão, Tailândia e Ucrânia.
É da falência econômica desses Estados e regiões, acredita ele, que pode sair a próxima onda de instabilidade mundial. "Fico feliz de saber que Panetta também vê a ligação muito próxima que existe entre economia e segurança", diz, em troca de e-mails.
Para o autor de "A Ascensão do Dinheiro - Uma História Financeira do Mundo" (2008), a situação econômica atual, que chama de "depressão leve", "quase sempre tem consequências geopolíticas". "Nós já podemos ver os primeiros sintomas do tumulto."
Com ele concorda Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations, de Nova York. "A recessão adicionará atrito às sociedades, tornará mais difícil para os governos governarem e as sociedades funcionarem", acredita o teórico. "Será muito dura para instituições democráticas."
Mas há quem veja o outro lado da instabilidade. "Como o dólar tem um status especial como moeda mundial de reserva, os EUA poderiam contribuir para a recuperação mundial ao dar dinheiro para ajudar países em desenvolvimento", disse Mark Weisbrot, economista do Center for Economic and Policy Research (CEPR), de Washington. Assim, passada a instabilidade do país em questão, os EUA sairiam com sua área de influência aumentada, e não diminuída.


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