São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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Crise muda o jogo político no
Cone Sul

Chile, Uruguai e Argentina vão às urnas neste ano; fim do ciclo de alto crescimento ameaça os candidatos da situação

Os principais produtos de exportação estão em baixa, prenunciando recessões, mas analistas afastam a hipótese de desastre maior


THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

A crise mundial bate à porta dos países do Cone Sul, que não devem escapar da recessão em 2009. Embora a hipótese de desastre econômico seja improvável -proveito dos anos de bonança-, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai vivem o fim de um ciclo de crescimento poucas vezes visto na história.
Em meio a vários sinais de desaceleração, cresce também a "contaminação" da política pela economia. O resultado são mudanças em cenários eleitorais -Chile, Uruguai e Argentina vão às urnas neste ano- e uma prova de fogo para o recente governo do Paraguai.
O roteiro econômico de transmissão da crise não varia muito. Redução da demanda externa, baixa de preços de exportação de produtos-chave -cobre chileno, carne uruguaia, soja argentina e paraguaia-, crédito escasso. Incerteza que afeta decisões de investimento e consumo e os níveis de atividade.
Como no Chile, que teve queda de 1,4% na atividade econômica em janeiro -a primeira desde 2002. Em ano de eleição presidencial, o governo Michelle Bachelet aposta em um pacote do tamanho de 2% do PIB -entre subsídios diretos, obras públicas e baixa de impostos- para manter as chances de sua coalizão em um pleito que parecia perdido para a direita.
Para Leonardo Suárez, economista-chefe da consultora Larrain Vial, o plano de Bachelet não evitará uma queda no PIB de 1% em 2009, mas a economia se recupera a partir do final do ano. Bachelet, contudo, tem margem de sobra para enfrentar a crise. A dívida pública chilena é baixa (4% do PIB) e o governo acumulou divisas em tempos de cobre alto -dispõe de US$ 20 bilhões em um fundo soberano. Em um país sem reeleição, seu desafio é transformar sua popularidade -58,5% de aprovação- em votos para a Concertação, aliança de centro-esquerda que governa o país desde 1990.
Ocorre que o provável candidato da Concertação, o ex-presidente Eduardo Frei (1994-2000), tem evitado os temas econômicos. "Seu comportamento durante a crise asiática de 1998 é questionado", afirma o analista político Rodrigo Hoffman. Já o empresário direitista Sebastián Piñeyra, favorito nas pesquisas, elevou o tom das críticas ao governo.

Uruguai
Crise e eleições presidenciais também se misturam no Uruguai, que elege o sucessor de Tabaré Vázquez em outubro. Após crescer 55% em cinco anos, a aberta economia local -dependente de exportações de carne, do turismo de praia e do sistema bancário- acumula maus resultados. As vendas ao exterior caíram 20% em fevereiro, pelo quarto mês seguido.
Tabaré descarta prognósticos de recessão e fala em crescer até 3% em 2009, porém já mandou todos seus ministros cortarem 5% dos gastos. Mantém sua popularidade acima de 60%, sem transferi-la integralmente ao partido do governo, a FA (Frente Ampla), aprovado por 40% da população.
"Já está instalada no eleitorado a ideia de que o próximo governo não vai ter vento a favor", afirma Gerardo Caetano, diretor do Observatório Político da Universidade da República. Os pré-candidatos também incorporaram o tema. Caetano diz no entanto que ainda é prematuro dizer que o oficialismo perderá com a crise.
Na Argentina, a crise chega em ano de eleições legislativas, que renovam metade da Câmara e um terço do Senado. Em jogo, a governabilidade da gestão Cristina Kirchner para os próximos dois anos, disputada longe do crescimento médio de 8% do PIB entre 2003 e 2008.
Ser otimista na Argentina hoje é apostar em crescimento nulo. Para a Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas, a contração pode alcançar 2% do PIB. Bernardo Kosacoff, da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), entretanto, vê capacidade de reação maior do que em outras crises, devido a equilíbrio fiscal e comercial e reservas internacionais que cresceram 68% desde 2005.
A queda na arrecadação do governo pós-crise põe em xeque a política de gastos públicos elevados do casal Kirchner. Para reduzir subsídios, o governo aumentou tarifas de energia, gás e transporte.
Pressionada a manter despesas em ano eleitoral, Cristina usa os R$ 53 bilhões em recursos da Previdência privada -estatizada quando a crise começava a se agravar- para bancar medidas anticrise, centradas em créditos ao consumo e obras públicas de lenta implementação. Com popularidade baixa (hoje em 29%), terá que lidar com a conflitividade social que se avizinha, diz o cientista político Rosendo Fraga.

Paraguai
No Paraguai, a crise deve interromper seis anos de crescimento -as previsões para 2009 apontam queda de 0,8% a 1,7% no PIB. Coloca ainda um desafio à gestão de Fernando Lugo: aprovar o pacote anticrise no Congresso.
A receita de Lugo prevê US$ 1,5 bilhão em emissão de títulos internos, recursos para financiamento e empréstimos externos -motivo pelo qual necessita aval legislativo. "A política está atrasando o rumo do plano anticrise", diz Fernando Masi, do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia.
Atada aos ciclos agrícolas, a economia paraguaia sofre os efeitos da seca que também atinge a Argentina e o Uruguai. A estiagem revela uma bomba que o governo terá que desarmar em breve: o refinanciamento de US$ 450 milhões em dívidas de produtores rurais.
Envolvido na renovação da Corte Suprema, Lugo tem se dedicado pouco ao lobby parlamentar pela aprovação do pacote, diz o analista Pablo Herken. "Se não assumir a condução e promover um pacto para aprová-lo, vai ser difícil sair rapidamente da crise."


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