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Crise muda o jogo político no
Cone Sul
Chile, Uruguai e Argentina vão às urnas neste ano; fim do ciclo de alto crescimento ameaça os candidatos da situação
Os principais produtos de exportação estão em baixa, prenunciando recessões, mas analistas afastam a hipótese de desastre maior
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
A crise mundial bate à porta
dos países do Cone Sul, que não
devem escapar da recessão em
2009. Embora a hipótese de desastre econômico seja improvável -proveito dos anos de
bonança-, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai vivem o
fim de um ciclo de crescimento
poucas vezes visto na história.
Em meio a vários sinais de
desaceleração, cresce também
a "contaminação" da política
pela economia. O resultado são
mudanças em cenários eleitorais -Chile, Uruguai e Argentina vão às urnas neste ano- e
uma prova de fogo para o recente governo do Paraguai.
O roteiro econômico de
transmissão da crise não varia
muito. Redução da demanda
externa, baixa de preços de exportação de produtos-chave
-cobre chileno, carne uruguaia, soja argentina e paraguaia-, crédito escasso. Incerteza que afeta decisões de investimento e consumo e os níveis de atividade.
Como no Chile, que teve queda de 1,4% na atividade econômica em janeiro -a primeira
desde 2002. Em ano de eleição
presidencial, o governo Michelle Bachelet aposta em um pacote do tamanho de 2% do PIB
-entre subsídios diretos, obras
públicas e baixa de impostos-
para manter as chances de sua
coalizão em um pleito que parecia perdido para a direita.
Para Leonardo Suárez, economista-chefe da consultora
Larrain Vial, o plano de Bachelet não evitará uma queda no
PIB de 1% em 2009, mas a economia se recupera a partir do
final do ano. Bachelet, contudo,
tem margem de sobra para enfrentar a crise. A dívida pública
chilena é baixa (4% do PIB) e o
governo acumulou divisas em
tempos de cobre alto -dispõe
de US$ 20 bilhões em um fundo
soberano. Em um país sem reeleição, seu desafio é transformar sua popularidade -58,5%
de aprovação- em votos para a
Concertação, aliança de centro-esquerda que governa o
país desde 1990.
Ocorre que o provável candidato da Concertação, o ex-presidente Eduardo Frei (1994-2000), tem evitado os temas
econômicos. "Seu comportamento durante a crise asiática
de 1998 é questionado", afirma
o analista político Rodrigo
Hoffman. Já o empresário direitista Sebastián Piñeyra, favorito nas pesquisas, elevou o
tom das críticas ao governo.
Uruguai
Crise e eleições presidenciais
também se misturam no Uruguai, que elege o sucessor de
Tabaré Vázquez em outubro.
Após crescer 55% em cinco
anos, a aberta economia local
-dependente de exportações
de carne, do turismo de praia e
do sistema bancário- acumula
maus resultados. As vendas ao
exterior caíram 20% em fevereiro, pelo quarto mês seguido.
Tabaré descarta prognósticos de recessão e fala em crescer até 3% em 2009, porém já
mandou todos seus ministros
cortarem 5% dos gastos. Mantém sua popularidade acima de
60%, sem transferi-la integralmente ao partido do governo, a
FA (Frente Ampla), aprovado
por 40% da população.
"Já está instalada no eleitorado a ideia de que o próximo
governo não vai ter vento a favor", afirma Gerardo Caetano,
diretor do Observatório Político da Universidade da República. Os pré-candidatos também
incorporaram o tema. Caetano
diz no entanto que ainda é prematuro dizer que o oficialismo
perderá com a crise.
Na Argentina, a crise chega
em ano de eleições legislativas,
que renovam metade da Câmara e um terço do Senado. Em jogo, a governabilidade da gestão
Cristina Kirchner para os próximos dois anos, disputada longe do crescimento médio de 8%
do PIB entre 2003 e 2008.
Ser otimista na Argentina
hoje é apostar em crescimento
nulo. Para a Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas, a contração
pode alcançar 2% do PIB. Bernardo Kosacoff, da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), entretanto, vê capacidade de reação maior do
que em outras crises, devido a
equilíbrio fiscal e comercial e
reservas internacionais que
cresceram 68% desde 2005.
A queda na arrecadação do
governo pós-crise põe em xeque a política de gastos públicos elevados do casal Kirchner.
Para reduzir subsídios, o governo aumentou tarifas de energia, gás e transporte.
Pressionada a manter despesas em ano eleitoral, Cristina
usa os R$ 53 bilhões em recursos da Previdência privada
-estatizada quando a crise começava a se agravar- para bancar medidas anticrise, centradas em créditos ao consumo e
obras públicas de lenta implementação. Com popularidade
baixa (hoje em 29%), terá que
lidar com a conflitividade social
que se avizinha, diz o cientista
político Rosendo Fraga.
Paraguai
No Paraguai, a crise deve interromper seis anos de crescimento -as previsões para
2009 apontam queda de 0,8% a
1,7% no PIB. Coloca ainda um
desafio à gestão de Fernando
Lugo: aprovar o pacote anticrise no Congresso.
A receita de Lugo prevê US$
1,5 bilhão em emissão de títulos
internos, recursos para financiamento e empréstimos externos -motivo pelo qual necessita aval legislativo. "A política
está atrasando o rumo do plano
anticrise", diz Fernando Masi,
do Centro de Análise e Difusão
da Economia Paraguaia.
Atada aos ciclos agrícolas, a
economia paraguaia sofre os
efeitos da seca que também
atinge a Argentina e o Uruguai.
A estiagem revela uma bomba
que o governo terá que desarmar em breve: o refinanciamento de US$ 450 milhões em
dívidas de produtores rurais.
Envolvido na renovação da
Corte Suprema, Lugo tem se
dedicado pouco ao lobby parlamentar pela aprovação do pacote, diz o analista Pablo Herken. "Se não assumir a condução e promover um pacto para
aprová-lo, vai ser difícil sair rapidamente da crise."
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