São Paulo, quarta-feira, 08 de abril de 2009

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ARTIGO

Viagem delineia grande estratégia de Obama

DAVID SANGER
DO "NEW YORK TIMES", EM VIENA

Nos oito dias de sua visita à Europa, o presidente Barack Obama deu os primeiros passos no sentido da reconstrução do sistema financeiro mundial, do fortalecimento do compromisso da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) com o Afeganistão e o Paquistão, da reinvenção da estratégia nuclear americana e da restauração das relações dos EUA com o mundo muçulmano.
Assim, com 77 dias de mandato completados, podemos dizer que a grande estratégia de Obama já se tornou clara? Ainda não, mas surgiram alguns contornos que podem indicar o que o futuro trará. Obama falou sempre com brandura e nem deu a entender que poderia recorrer à força. Sem mencionar muito seu predecessor, ele enfatizou uma das principais diferenças entre os dois: a de que os EUA não só planejavam conferir mais autoridades às instituições internacionais que George W. Bush muitas vezes rejeitou como também apoiar a criação de instituição novas.
Mas, com exceção de sua abordagem quanto ao desarmamento nuclear -na qual parece haver mudanças radicais em curso-, o que Obama descreveu se assemelhava mais a uma restauração da velha ordem do que a um vasto realinhamento estratégico. A busca por uma "grande estratégia", um plano coordenado para usar o poderio americano de maneira a atingir objetivos amplos em todo o mundo, é sempre um risco.
Foi apenas no ano seguinte à sua posse que Bush declarou que "combater terroristas e tiranos" era o objetivo da política americana e foi apenas ao assumir seu segundo mandato, em 2005, que ele articulou a doutrina de que espalhar a liberdade deveria ser a nova missão dos EUA.

Democracia
Uma diferença reveladora é que, embora Obama falasse em enfrentar os terroristas, não fez menção aos tiranos. A Al Qaeda precisa ser destruída, ele disse, mas Irã, Coreia do Norte e Cuba serão abordados com vigor diplomático renovado.
Obama deixou claro que, embora compreenda a importância da democracia, ela não seria mais parte formal da pauta de exportação americana. Em sua primeira parada, Londres, Obama não fingiu dispor de uma grande estratégia para a crise financeira mundial.
Ele deixou ao premiê britânico, Gordon Brown, a tarefa de declarar, na reunião do G20, que "a nova ordem mundial está emergindo" e se concentrou em uma mistura de soluções com as quais os líderes presentes poderiam concordar. O verdadeiro significado da reunião foi Obama ter acolhido China, Índia, Brasil e outras nações numa posição mais central para a definição dos rumos da economia mundial, ainda que isso complique ainda mais o processo decisório.
Obama tinha mais a dizer sobre estratégia ao chegar à Otan. Nos dias anteriores à celebração do 60º aniversário da aliança, ele havia informado que a nova estratégia para o Afeganistão e o Paquistão teria o objetivo de impedir o estabelecimento de um santuário para a Al Qaeda e que os esforços para fazer do Afeganistão uma democracia seriam reduzidos. Ele encontrou simpatia entre os parceiros, mas pouco apoio. A maioria deixou claro que seus eleitores haviam perdido a paciência com a guerra.

Armas nucleares
Foi quando Obama começou a delinear sua visão sobre um futuro livre de armas nucleares que sua visão estratégica começou a superar os aspectos simbólicos da viagem. A estratégia tem por base uma aposta: se o primeiro país a desenvolver armas nucleares se mostrar disposto a reduzir o seu arsenal nuclear, proibir testes atômicos e reduzir a produção mundial de material físsil de uso bélico, seus relutantes aliados e parceiros em todo o mundo estariam provavelmente mais dispostos a renegociar tratados nucleares e a impor sanções à Coreia do Norte e ao Irã.
Obama estava aceitando um conceito rejeitado pelo governo Bush: o de que, para combater a proliferação, os EUA não podiam mais ignorar o fato de que alguns países, entre os quais o Irã, eram signatários de tratados internacionais e tinham o direito de alegar, corretamente, seu "direito" de produzir combustível nuclear.
A abordagem de Bush simplesmente era a de declarar que há países nos quais não se pode confiar. A de Obama é reforçar a rede de tratados e emendar o Tratado de Não Proliferação Nuclear para tornar mais difícil a países como o Irã limitarem inspeções.
Obama defendeu dois tratados aos quais muita gente no Congresso pode se opor: um proíbe os testes nucleares; o outro reduz a produção de novos materiais físseis. "Para mim, estamos em um mundo diferente", disse Mohamed El Baradei, diretor da Agência Internacional de Energia Atômica. "Estamos começando a ver uma estratégia. O que não sabemos ainda é se ele será capaz de implementá-la."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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