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Aulas de "cidadania" dividem a Espanha
Escolas ensinarão as crianças a respeitar as diferenças e a serem pacifistas, entre outros valores antes fora do currículo
Grupos conservadores, como a igreja, vêem em tópicos como tolerância ao homossexualismo tentativa de desvirtuar a boa moral
RAUL JUSTE LORES
EM MADRI
Uma nova disciplina escolar
sobre o respeito ao diferente,
seja ele um imigrante muçulmano ou um casal homossexual, e que ensina o pacifismo e
a vida em comunidade se tornou uma das maiores polêmicas do governo do premiê espanhol, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero.
Expert em controvérsias, o
governo aprovou no Congresso, dentro de uma reforma educacional, uma disciplina chamada Educação para a Cidadania. Como aulas de ética ou moral e cívica, a nova cadeira pretende ensinar às crianças espanholas valores constitucionais
e direitos humanos. Os conteúdos da nova matéria, que pode
ser bem-intencionada ou abstrata demais, provocam debates calorosos na Espanha.
No site do Centro Nacional
de Informação e Comunicação
Educativa do Ministério da
Educação da Espanha, há uma
lista de sugestões de livros e filmes que os professores podem
apresentar em classe.
Estão lá "O Grande Ditador",
de Chaplin, o documentário
"Shoah" e o cubano "Morango e
Chocolate", além de filmes controvertidos como "Faça a Coisa
Certa", de Spike Lee, sobre distúrbios raciais nos EUA.
Novas famílias
Textos da nova cadeira tratam da desigualdade entre homens e mulheres, combatem os
estereótipos da mulher como
dona-de-casa e falam de feminismo, exploração sexual e violência de gênero. E dizem que
novos "tipos de família" estão
surgindo.
O ministério sugere, por
exemplo, que professoras usem
um livro de quadrinhos, "Ali
Babá e os 40 Maricas", sobre a
vida de amigos gays em Barcelona, para falar de homossexualidade.
Outros materiais didáticos
falam das desigualdades no
mundo e da pobreza e até criticam o "possível erro" da transição espanhola, que "colocou
ponto final nos crimes da ditadura franquista, como foi feito
em vários países latino-americanos". Vários textos falam da
"educação para a paz", tema caro a Zapatero, que retirou as
tropas espanholas do Iraque
assim que assumiu o governo,
em 2004.
O programa da nova disciplina deliciou todas as ONGs possíveis -o governo adotou as sugestões de leitura do Comitê
Espanhol da Campanha Européia da Juventude contra o Racismo, a Xenofobia, o Anti-Semitismo e a Intolerância.
Como 10% da população espanhola é formada por imigrantes, a maioria deles vinda a
partir de 2001, o governo fala
de esforço em adaptar as crianças recém-chegadas aos valores
espanhóis.
Criar esquerdistas
O problema é que grupos que
vão da Igreja Católica a organizações conservadoras acusam
Zapatero de querer formar
uma "geração de esquerdistas"
e de impor uma moral, substituindo a família.
A igreja espanhola conclamou os fiéis a uma rebelião.
"Lutaremos com todos os
meios legítimos para impedir
que seja lecionada (...); querem
doutrinar as crianças em um
laicismo radical", criticou o arcebispo de Madri, Antonio
Rouco Varela.
A associação católica Fórum
da Família pediu que seus
membros retirem seus filhos
dessas aulas, em um movimento de objeção de consciência.
O governo regional de Madri,
da oposição conservadora, prometeu substituir a cadeira de
cidadania por trabalho voluntário, mas teve que voltar atrás
após uma repreensão do Ministério da Cultura, órgão que decide qual será o programa das
escolas. "Quem não a cursar
não terá o diploma", ameaçou a
ministra da Educação, Mercedes Cabrera.
A disciplina será dividida em
três tópicos: indivíduos e relações interpessoais; vida em comunidade, com respeito, tolerância e cultura da paz; e viver
em sociedade (com normas da
Constituição). Boa parte das
aulas será dada no quinto e no
sexto anos do ensino fundamental espanhol. Cobrirá uma
a duas horas das 35 horas semanais do currículo básico.
A pergunta que fica, além da
polêmica, é se a disciplina é útil.
"Boa parte da Europa tem matérias similares e acho interessante que ética e direitos humanos estejam em sala de aula.
Mas podemos viver sem essa
matéria", disse à Folha o sociólogo Emilio Lamo de Espinosa,
catedrático da Universidade
Complutense de Madri. "A direita católica se sente ameaçada em seus valores, então o debate se politizou. É bom ver a
educação ser tão discutida, mas
estamos longe de um pacto nos
conteúdos."
O jornalista Raul Juste Lores viajou à Espanha a
convite do Grupo Santander
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