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entrevista
"Bin Laden não precisa mais aparecer"
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Matar Osama bin Laden de
pouco ajudaria para reduzir
a ameaça do terrorismo islâmico. Seu papel hoje é muito
mais de ícone que de líder
militar. Sua organização, a Al
Qaeda, se transformou em
ideologia. O diagnóstico é do
jornalista britânico Jason
Burke, cujo livro, "Al Qaeda:
a verdadeira história do radicalismo islâmico", será lançado em breve no Brasil pela
editora Zahar.
Burke, que conheceu de
perto o radicalismo islâmico
em dez anos como correspondente do jornal londrino
"Observer" no Oriente Médio e na Ásia Central, reconhece que a Al Qaeda como
organização foi enfraquecida
pelos golpes sofridos desde o
11 de Setembro. Mas alerta
que as idéias pregadas por
Bin Laden estão mais vivas
do que nunca.
Leia a seguir trechos da
entrevista de Burke à Folha.
FOLHA - O premiê britânico,
Gordon Brown, acusou os suspeitos pelo complô terrorista descoberto no país de terem "ligações"
com a Al Qaeda. Afinal, que Al
Qaeda é essa?
JASON BURKE - É interessante
observar que Brown não acusou diretamente a Al Qaeda,
como provavelmente teria
feito [seu antecessor] Tony
Blair. Ele falou em "ligações"
com a Al Qaeda, o que mostra
uma compreensão de como o
grupo se transformou nos últimos anos. Antes falávamos
da Al Qaeda como uma grande organização terrorista.
Hoje em dia a própria inteligência americana reconhece
que a Al Qaeda é constituída
de três partes: o núcleo duro,
liderado por Osama bin Laden; pequenos grupos ligados de alguma forma a esse
núcleo, espalhados pelo
mundo; e, finalmente, a ideologia pregada pelo grupo. É
uma grande transformação
em relação há dez anos. Hoje,
quando falamos da Al Qaeda,
temos que usar o plural.
FOLHA - Isso quer dizer que a Al
Qaeda é hoje muito mais uma
idéia que uma organização?
BURKE - Eu nunca disse que a
Al Qaeda não era uma organização. Mas aquela Al Qaeda concebida com uma hierarquia monolítica não existe. Nos últimos anos a ideologia Al Qaeda tornou-se
muito mais importante do
que o grupo. Esse é exatamente o problema. É muito
mais difícil combater idéias
do que indivíduos.
FOLHA - Qual a influência de Bin
Laden hoje sobre os militantes
que agem em nome da Al Qaeda?
BURKE - Após o 11 de Setembro o núcleo duro da Al Qaeda passou por momentos
muito difíceis, mas nos últimos dois anos começou a se
recuperar. Campos de treinamento voltaram a ser
montados no Paquistão e no
Afeganistão e há mais militantes sendo preparados. Fala-se muito sobre o desaparecimento de Bin Laden das
vistas do público, mas ele não
precisa aparecer. A parte
mais difícil do trabalho já foi
feita, a ideologia está difundida. Não há uma só pessoa
que não tenha ouvido falar
de Bin Laden.
FOLHA - Quando fala-se de terroristas "ligados" à Al Qaeda, como os suspeitos de Londres e
Glasgow, que tipo de elo é esse?
Com o grupo o com a ideologia?
BURKE - Com ambos. A relação entre a ideologia e a organização é variada. Os atentados de Londres [em 2005],
por exemplo, foram cometidos por um grupo de homens
que se auto-radicalizaram no
Reino Unido. Só depois é que
um deles foi ao Paquistão,
onde se encontrou com pessoas do núcleo duro da Al
Qaeda. Isso o torna parte da
Al Qaeda? A ligação é com a
ideologia ou com o grupo?
Cada complô [terrorista]
tem uma complexão.
FOLHA - Matar Bin Laden adiantaria alguma coisa?
BURKE - Muito pouco. Seu
papel hoje é sobretudo simbólico e de propaganda. Ele é
a cara da organização, um
ícone. O respeito e a admiração que ele continua a atrair
permitem que tenha a capacidade de direcionar estrategicamente alguns elementos
da militância islâmica internacional. Mas é uma direção
muito mais ideológica do que
operacional.
FOLHA - O sr. escreveu que há
muitos mitos em relação à militância islâmica. Acha que a ameaça terrorista tem sido exagerada?
BURKE - Há uma tendência a
se considerar o pior cenário
possível como o mais provável e um exagero sobre a capacidade dos militantes islâmicos de nos causar danos.
Nossas sociedades são bastante fortes, mas não estão
acostumadas a conviver com
o risco. Não creio que a
ameaça terrorista tenha sido
deliberadamente exagerada,
mas acho que a Al Qaeda foi
explorada por alguns governos para legitimar suas ações
e obter apoio internacional.
FOLHA - Parece haver um consenso entre os especialistas de
que Bin Laden se esconde nas
montanhas entre Paquistão e
Afeganistão. Por que é tão difícil
localizá-lo, se o primeiro país é
aliado dos EUA e o segundo está
sob controle americano?
BURKE - Não é tão simples.
Trata-se de um terreno impenetrável, com pessoas que
estão dispostas a morrer para bloquear o acesso de quem
tenta subir. É uma área equivalente ao território da França, com montanhas, desertos
e gente enfurecida. Além disso, o Paquistão não é um Estado em pleno funcionamento, mas um sistema de grupos em conflito entre si.
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