São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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entrevista

"Bin Laden não precisa mais aparecer"

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Matar Osama bin Laden de pouco ajudaria para reduzir a ameaça do terrorismo islâmico. Seu papel hoje é muito mais de ícone que de líder militar. Sua organização, a Al Qaeda, se transformou em ideologia. O diagnóstico é do jornalista britânico Jason Burke, cujo livro, "Al Qaeda: a verdadeira história do radicalismo islâmico", será lançado em breve no Brasil pela editora Zahar.
Burke, que conheceu de perto o radicalismo islâmico em dez anos como correspondente do jornal londrino "Observer" no Oriente Médio e na Ásia Central, reconhece que a Al Qaeda como organização foi enfraquecida pelos golpes sofridos desde o 11 de Setembro. Mas alerta que as idéias pregadas por Bin Laden estão mais vivas do que nunca. Leia a seguir trechos da entrevista de Burke à Folha.

 

FOLHA - O premiê britânico, Gordon Brown, acusou os suspeitos pelo complô terrorista descoberto no país de terem "ligações" com a Al Qaeda. Afinal, que Al Qaeda é essa?
JASON BURKE -
É interessante observar que Brown não acusou diretamente a Al Qaeda, como provavelmente teria feito [seu antecessor] Tony Blair. Ele falou em "ligações" com a Al Qaeda, o que mostra uma compreensão de como o grupo se transformou nos últimos anos. Antes falávamos da Al Qaeda como uma grande organização terrorista. Hoje em dia a própria inteligência americana reconhece que a Al Qaeda é constituída de três partes: o núcleo duro, liderado por Osama bin Laden; pequenos grupos ligados de alguma forma a esse núcleo, espalhados pelo mundo; e, finalmente, a ideologia pregada pelo grupo. É uma grande transformação em relação há dez anos. Hoje, quando falamos da Al Qaeda, temos que usar o plural.

FOLHA - Isso quer dizer que a Al Qaeda é hoje muito mais uma idéia que uma organização?
BURKE -
Eu nunca disse que a Al Qaeda não era uma organização. Mas aquela Al Qaeda concebida com uma hierarquia monolítica não existe. Nos últimos anos a ideologia Al Qaeda tornou-se muito mais importante do que o grupo. Esse é exatamente o problema. É muito mais difícil combater idéias do que indivíduos.

FOLHA - Qual a influência de Bin Laden hoje sobre os militantes que agem em nome da Al Qaeda?
BURKE -
Após o 11 de Setembro o núcleo duro da Al Qaeda passou por momentos muito difíceis, mas nos últimos dois anos começou a se recuperar. Campos de treinamento voltaram a ser montados no Paquistão e no Afeganistão e há mais militantes sendo preparados. Fala-se muito sobre o desaparecimento de Bin Laden das vistas do público, mas ele não precisa aparecer. A parte mais difícil do trabalho já foi feita, a ideologia está difundida. Não há uma só pessoa que não tenha ouvido falar de Bin Laden.

FOLHA - Quando fala-se de terroristas "ligados" à Al Qaeda, como os suspeitos de Londres e Glasgow, que tipo de elo é esse? Com o grupo o com a ideologia?
BURKE -
Com ambos. A relação entre a ideologia e a organização é variada. Os atentados de Londres [em 2005], por exemplo, foram cometidos por um grupo de homens que se auto-radicalizaram no Reino Unido. Só depois é que um deles foi ao Paquistão, onde se encontrou com pessoas do núcleo duro da Al Qaeda. Isso o torna parte da Al Qaeda? A ligação é com a ideologia ou com o grupo? Cada complô [terrorista] tem uma complexão.

FOLHA - Matar Bin Laden adiantaria alguma coisa?
BURKE -
Muito pouco. Seu papel hoje é sobretudo simbólico e de propaganda. Ele é a cara da organização, um ícone. O respeito e a admiração que ele continua a atrair permitem que tenha a capacidade de direcionar estrategicamente alguns elementos da militância islâmica internacional. Mas é uma direção muito mais ideológica do que operacional.

FOLHA - O sr. escreveu que há muitos mitos em relação à militância islâmica. Acha que a ameaça terrorista tem sido exagerada?
BURKE -
Há uma tendência a se considerar o pior cenário possível como o mais provável e um exagero sobre a capacidade dos militantes islâmicos de nos causar danos. Nossas sociedades são bastante fortes, mas não estão acostumadas a conviver com o risco. Não creio que a ameaça terrorista tenha sido deliberadamente exagerada, mas acho que a Al Qaeda foi explorada por alguns governos para legitimar suas ações e obter apoio internacional.

FOLHA - Parece haver um consenso entre os especialistas de que Bin Laden se esconde nas montanhas entre Paquistão e Afeganistão. Por que é tão difícil localizá-lo, se o primeiro país é aliado dos EUA e o segundo está sob controle americano?
BURKE -
Não é tão simples. Trata-se de um terreno impenetrável, com pessoas que estão dispostas a morrer para bloquear o acesso de quem tenta subir. É uma área equivalente ao território da França, com montanhas, desertos e gente enfurecida. Além disso, o Paquistão não é um Estado em pleno funcionamento, mas um sistema de grupos em conflito entre si.


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