São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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Hiperatividade de Sarkozy é bom marketing

Presidente francês age como faz-tudo, atropela os subordinados e ganha pontos até por ir a enterro de ator de esquerda

Conservador conta com boa vontade da mídia para composição de imagem positiva; premiê virou quase chefe-de-gabinete

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Corre na França uma anedota que tem tudo para ser verdadeira. O presidente Nicolas Sarkozy diz sorrindo a um amigo: "Eu adoro fazer cooper com o François Fillon [o primeiro-ministro]. Ele não abre a boca para falar enquanto corre".
A moral da história é simples: o premiê, discreto, deixa que suas atribuições sejam invadidas pelo presidente da República. O que ocorre porque Sarkozy, segundo seus marqueteiros, passa naturalmente a imagem de "hiperativo", aquele que tudo pode e tudo faz, independentemente do conteúdo ideológico de suas decisões. Uma versão de centro-direita do super-homem.
Pois bem, é esse o Sarkozy que chega à maioria dos franceses, menos de dois meses depois de sua posse.
Sua taxa de confiabilidade continua a subir: de 63% a 65%, segundo pesquisa TSE-Sofres divulgada quinta-feira. Pelo mesmo movimento do pêndulo, caiu de 52% a 41% a confiança que os franceses têm em Ségolène Royal, candidata socialista derrotada no segundo turno presidencial de 6 de maio e virtual líder da oposição.
Indagado se era "hiperativo" pela TFI, rede de televisão que lhe é simpática, Sarkozy respondeu há dias: "Fui eleito para fazer alguma coisa em todas as questões. E, se pudesse, faria ainda mais".
No fundo é uma carta branca para atropelar prerrogativas que a Constituição e os costumes franceses atribuem a outros. O semanário "Le Nouvel Observateur", de oposição ao governo, afirma que Sarkozy é ao mesmo tempo "presidente, primeiro-ministro, líder de sua base de apoio parlamentar, porta-voz do governo e também ministro da Economia".

Elogio a si mesmo
A grande vítima da hiperatividade é o premiê Fillon, reduzido a chefe-de-gabinete.
No último dia 20, Sarkozy convocou ao palácio presidencial do Elysée os 344 deputados e 160 senadores de sua confortável base de apoio parlamentar. Discursou por 70 minutos. E agradeceu Fillon pela forma "com que conduziu a formação de dois governos sucessivos", o que se seguiu à posse presidencial de 16 de maio e o posterior ao segundo turno legislativo de 17 de junho. No fundo, Sarkozy cumprimentava a si mesmo, já que foi ele quem escolheu pessoalmente cada ministro ou secretário de Estado.
Ser em tudo "hiper" é uma moda que pega. Com a ajuda de jornalistas coniventes. Um site francês especializado no assunto chama a atenção ao fato de David Pujadas, um dos comentaristas políticos mais conhecidos entre os franceses, ter apoiado acriticamente, há uma semana, na televisão, a tese de que a França está em boas mãos porque é agora governada por um "hiperpresidente".
Sarkozy gosta de fazer cooper. O "Libération", único jornal de aberta oposição ao presidente, disse que esse tipo de hiperatividade "é de direita", opinião também defendida pelo filósofo e aprendiz de "maître-à-penser" Alain Finkelkraut.
Para o presidente foi uma colherada de mel na sopa. A oposição teorizava sobre aquilo em que ele incomodava. Em outras palavras, está dando certo.
Ser hiperativo é, segundo o "Aurélio", um estado patológico. Em política não é bem assim. Significa dar uma prova superlativa de competência. Em termos diplomáticos, foi o que aconteceu na última cúpula da União Européia. A mídia francesa comprou como correta a versão de que a elaboração de um "tratado" -em substituição à Constituição do bloco- era uma idéia de Sarkozy. Não é verdade. O texto foi negociado e redigido por Angela Merkel, a chanceler alemã.
O ex-presidente Jacques Chirac era hiperativo a seu modo. Envelheceu e se acomodou. Seu predecessor, François Mitterrand, tinha câncer e era lento até para jogar golf. Sarkozy é o produto de um contraste pelo qual sua imagem só pode sair ganhando.
Mas o site oficial da Presidência francesa desmente a idéia segundo a qual o presidente trabalha em excesso. Entre as últimas quarta e quinta-feira foram apenas 12 compromissos, dos funerais da viúva do ex-presidente Georges Pompidou a audiências com o presidente do Congo e com o premiê do Québec.
Mas a suposta hiperatividade está um pouco no conteúdo dessa agenda. Ele não precisaria, por exemplo, ter comparecido ao enterro do ator Jean-Claude Brialy. Mas esse alter ego do cineasta François Truffault era um homem de esquerda. Ponto para o presidente. Também desconcertou os ambientalistas ao prometer negociações que colocariam o meio ambiente entre as prioridades do governo. Mais um ponto.
Ainda anteontem almoçou no Elysée com o socialista de quatro costados Dominique Strauss-Kahn, discutindo o apoio francês para que ele seja o novo diretor do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Aliás, a hiperatividade de Sarkozy em cima da esquerda é talvez o que há de mais notável em seu curto mandato. Prova: entre os antigos cardeais do Partido Socialista, o mais popular, segundo pesquisas, é Bernard Kouchner, justamente aquele que traiu seu partido e aceitou o convite de Sarkozy para ser o ministro das Relações Exteriores.
Centralizador ao extremo, Sarkozy corre riscos. Não tem a quem atribuir desastres que possam ocorrer em seu governo. Mas essa é uma hipótese a ser discutida bem mais para frente, depois de mais alguns meses de hiperatividade do presidente.


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