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Hiperatividade de Sarkozy é bom marketing
Presidente francês age como faz-tudo, atropela os subordinados e ganha pontos até por ir a enterro de ator de esquerda
Conservador conta com boa vontade da mídia para composição de imagem positiva; premiê virou
quase chefe-de-gabinete
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Corre na França uma anedota que tem tudo para ser verdadeira. O presidente Nicolas
Sarkozy diz sorrindo a um amigo: "Eu adoro fazer cooper com
o François Fillon [o primeiro-ministro]. Ele não abre a boca
para falar enquanto corre".
A moral da história é simples:
o premiê, discreto, deixa que
suas atribuições sejam invadidas pelo presidente da República. O que ocorre porque Sarkozy, segundo seus marqueteiros, passa naturalmente a imagem de "hiperativo", aquele
que tudo pode e tudo faz, independentemente do conteúdo
ideológico de suas decisões.
Uma versão de centro-direita
do super-homem.
Pois bem, é esse o Sarkozy
que chega à maioria dos franceses, menos de dois meses depois de sua posse.
Sua taxa de confiabilidade
continua a subir: de 63% a 65%,
segundo pesquisa TSE-Sofres
divulgada quinta-feira. Pelo
mesmo movimento do pêndulo, caiu de 52% a 41% a confiança que os franceses têm em Ségolène Royal, candidata socialista derrotada no segundo turno presidencial de 6 de maio e
virtual líder da oposição.
Indagado se era "hiperativo"
pela TFI, rede de televisão que
lhe é simpática, Sarkozy respondeu há dias: "Fui eleito para
fazer alguma coisa em todas as
questões. E, se pudesse, faria
ainda mais".
No fundo é uma carta branca
para atropelar prerrogativas
que a Constituição e os costumes franceses atribuem a outros. O semanário "Le Nouvel
Observateur", de oposição ao
governo, afirma que Sarkozy é
ao mesmo tempo "presidente,
primeiro-ministro, líder de sua
base de apoio parlamentar,
porta-voz do governo e também ministro da Economia".
Elogio a si mesmo
A grande vítima da hiperatividade é o premiê Fillon, reduzido a chefe-de-gabinete.
No último dia 20, Sarkozy
convocou ao palácio presidencial do Elysée os 344 deputados
e 160 senadores de sua confortável base de apoio parlamentar. Discursou por 70 minutos.
E agradeceu Fillon pela forma
"com que conduziu a formação
de dois governos sucessivos", o
que se seguiu à posse presidencial de 16 de maio e o posterior
ao segundo turno legislativo de
17 de junho. No fundo, Sarkozy
cumprimentava a si mesmo, já
que foi ele quem escolheu pessoalmente cada ministro ou secretário de Estado.
Ser em tudo "hiper" é uma
moda que pega. Com a ajuda de
jornalistas coniventes. Um site
francês especializado no assunto chama a atenção ao fato de
David Pujadas, um dos comentaristas políticos mais conhecidos entre os franceses, ter
apoiado acriticamente, há uma
semana, na televisão, a tese de
que a França está em boas
mãos porque é agora governada
por um "hiperpresidente".
Sarkozy gosta de fazer cooper. O "Libération", único jornal de aberta oposição ao presidente, disse que esse tipo de hiperatividade "é de direita", opinião também defendida pelo filósofo e aprendiz de "maître-à-penser" Alain Finkelkraut.
Para o presidente foi uma colherada de mel na sopa. A oposição teorizava sobre aquilo em
que ele incomodava. Em outras
palavras, está dando certo.
Ser hiperativo é, segundo o
"Aurélio", um estado patológico. Em política não é bem assim. Significa dar uma prova
superlativa de competência.
Em termos diplomáticos, foi o
que aconteceu na última cúpula da União Européia. A mídia
francesa comprou como correta a versão de que a elaboração
de um "tratado" -em substituição à Constituição do bloco- era uma idéia de Sarkozy.
Não é verdade. O texto foi negociado e redigido por Angela
Merkel, a chanceler alemã.
O ex-presidente Jacques
Chirac era hiperativo a seu modo. Envelheceu e se acomodou.
Seu predecessor, François Mitterrand, tinha câncer e era lento até para jogar golf. Sarkozy é
o produto de um contraste pelo
qual sua imagem só pode sair
ganhando.
Mas o site oficial da Presidência francesa desmente a
idéia segundo a qual o presidente trabalha em excesso. Entre as últimas quarta e quinta-feira foram apenas 12 compromissos, dos funerais da viúva
do ex-presidente Georges
Pompidou a audiências com o
presidente do Congo e com o
premiê do Québec.
Mas a suposta hiperatividade
está um pouco no conteúdo
dessa agenda. Ele não precisaria, por exemplo, ter comparecido ao enterro do ator Jean-Claude Brialy. Mas esse alter
ego do cineasta François Truffault era um homem de esquerda. Ponto para o presidente.
Também desconcertou os ambientalistas ao prometer negociações que colocariam o meio
ambiente entre as prioridades
do governo. Mais um ponto.
Ainda anteontem almoçou
no Elysée com o socialista de
quatro costados Dominique
Strauss-Kahn, discutindo o
apoio francês para que ele seja
o novo diretor do FMI (Fundo
Monetário Internacional).
Aliás, a hiperatividade de
Sarkozy em cima da esquerda é
talvez o que há de mais notável
em seu curto mandato. Prova:
entre os antigos cardeais do
Partido Socialista, o mais popular, segundo pesquisas, é Bernard Kouchner, justamente
aquele que traiu seu partido e
aceitou o convite de Sarkozy
para ser o ministro das Relações Exteriores.
Centralizador ao extremo,
Sarkozy corre riscos. Não tem a
quem atribuir desastres que
possam ocorrer em seu governo. Mas essa é uma hipótese a
ser discutida bem mais para
frente, depois de mais alguns
meses de hiperatividade do
presidente.
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