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Oposição quer "ditadura civil", acusa Morales
Impedido por manifestantes oposicionistas de viajar pela Bolívia, presidente encerra campanha em reduto perto de La Paz
Máquina pública é acionada em comício para referendo de domingo; em desfile militar, Morales afirma ter apoio das Forças Armadas
Jorge Silva/Reuters
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Morales desfila com militar em parada em Cochabamba
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ E EL ALTO
Impedido de chegar a bastiões da oposição nos últimos
dias, o presidente da Bolívia,
Evo Morales, escolheu a majoritariamente governista e indígena El Alto, na região metropolitana de La Paz, para encerrar a campanha ao referendo
revogatório de domingo, quando estarão em jogo o seu mandato e os de oito governadores,
seis deles oposicionistas.
Num palco armado em um
viaduto, protegido por milhares de pessoas na cidade em que
90% o apóiam -a maior taxa do
país-, por funcionários do governo e panfletos pagos por ministérios, Morales qualificou de
"ditadura civil" os protestos
que impediram sua presença
ou a de ministros em regiões do
país governadas pela oposição.
"Estão tomando aeroportos,
tentando tomar algumas instituições. As ditaduras militares
estão sendo substituídas pelas
ditaduras civis. Saudamos as
Forças Armadas por se somarem ao processo de mudança."
Ontem foi o Dia das Forças
Armadas. E mais cedo o presidente havia dito o mesmo no
desfile militar e indígena no departamento de Cochabamba,
que, embora governado pela
oposição, é seu berço político.
Foi referendado pelo comandante das Forças Armadas,
Luis Trigo Antelo, que pediu o
fim dos atos violentos para que
o país não vire "Angola, Congo
ou Haiti". Mas as palavras mais
fortes vieram do ministro da
Presidência, Juan Ramón
Quintana, para quem a Bolívia
está "às portas de um verdadeiro golpe de Estado".
Quintano acusou os governadores de oposição de armar
grupos paramilitares -disse
que seu carro foi alvejado na
noite de terça em Trinidad, no
departamento de Beni.
Proibido passar
Embora analistas descartem
confrontação em larga escala
ou desagregação territorial, os
últimos dias deram mostras da
efetividade das ações opositoras e do acosso a Morales nas
chamadas "terras baixas".
Na soma dos episódios, o presidente ou integrantes do governo foram impedidos de chegar a cinco dos nove departamentos do país. No caso mais
simbólico, Morales teve de cancelar o encontro que teria com
os colegas Hugo Chávez (Venezuela) e Cristina Kirchner (Argentina), na terça-feira.
Anteontem, esperado em
Santa Cruz, a base mais forte da
oposição, onde sua aprovação
não alcança 30%, o presidente
nem desembarcou do avião.
Nos arredores do aeroporto,
membros da União Juvenil
Cruzenha (UJC), grupo de direita que o governo qualifica de
fascista, queimavam pneus e
ameaçavam sua comitiva.
"Sim, fomos nós. O presidente nem ministros não pisam
mais aqui", disse à Folha, por
telefone, o presidente da UJC,
David Sejas, 34. Ele, que diz
não ter apoio do governador local, Rubén Costas, contou que a
entidade se replicou nos departamentos opositores.
Segundo rádios locais, a
União Juvenil de Riberalta participou ontem da invasão do
aeroporto da cidade, em Beni.
O aeroporto de Cobija (Pando),
fronteira com o Brasil, também
foi tomado -até por funcionários do governo departamental.
Ontem, ante a negativa dos
governadores de quatro departamentos de baixarem decreto
com restrição à venda de bebidas alcóolicas e outras medidas
de praxe 48 horas antes da eleição, o governo nacional o fez.
No anúncio, o ministro da Defesa, Walter San Miguel, disse
que haverá ordem no domingo.
Como rebento político dos
protestos e bloqueios do fim
dos anos 90 e início desta década, o governo Morales tem dificuldade para reagir às manifestações que replicam alguns de
seus métodos, e sofre cobranças quando o faz. A semana foi
marcada pela morte de dois
mineiros em protesto contra o
governo. A imprensa e organizações sociais cobram que Morales peça desculpas.
Com uma Polícia Nacional
considerada pequena e mal
equipada, La Paz diz não autorizar uso de armas de fogo e hesita em acionar as Forças Armadas em conflitos -dada a
memória da atuação dos soldados na Guerra do Gás, em
2003, quando mais de 70 morreram. O conflito levou à queda
de Gonzalo Sánchez de Lozada,
que fugiu para os EUA.
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