São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Fortalecer Índia para conter China é erro"

Para Bill Emmot, especialista em Ásia, o reequilíbrio de poder no continente norteará reconfiguração mundial

Ex-editor da "Economist" vê em avanço chinês paralelos com o Japão dos anos 60 e sugere à UE e aos EUA que se preparem para dividir poder

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Por 13 anos, até 2006, o jornalista britânico Bill Emmott, 51, foi editor-chefe da revista de maior prestígio do mundo, "The Economist". Seu primeiro livro após deixar a publicação trata da difícil relação entre as potências do continente que mais cresce no mundo, a Ásia.
"Rivals -How the power struggle between China, India and Japan will shape our next decade" (Rivais -Como a luta de poder entre China, Índia e Japão irão definir a nossa próxima década") fala do percurso dos três para se tornarem potências, conta como eles estão se armando e de como EUA e União Européia precisam se preparar para dividir o poder com os recém-chegados. Emmott falou com a Folha em Pequim, onde lançou seu livro em junho. Os principais trechos:

 

Elites parasitárias
"O ex-diplomata e especialista em Ásia Kishore Mahbubani, de Cingapura, diz que as elites desses países asiáticos têm sido produtivas mais que parasitárias. São autoritárias e autocentradas, mas vêem seus interesses e os de seus países se fortalecerem mutuamente, não em contradição. Acho que o contraste é evidente com as elites latino-americanas e africanas.
Corrupção há em qualquer lugar na Ásia, mas essas elites têm evitado que ela supere a força necessária ao crescimento econômico. Bem, no Paquistão ou em Bangladesh ainda não, mas, na Índia, o equilíbrio entre elite parasitária e produtiva pende para a produtiva."

Sucesso das ditaduras
"É verdade que os países que mais crescem na Ásia são ou foram ditaduras, como Cingapura, Coréia do Sul, China. A Índia é a exceção. Mas seria ir longe demais dizer que esses países fizeram as reformas e cresceram só porque são ditaduras."

Brasil modesto
"O Brasil tem uma renda per capita maior que a da China, e, em muitas coisas, é mais avançado. Tem papel mais destacado no exterior, mas, em pleno boom das commodities, ainda tem crescimento modesto. Falta uma grande reforma do Estado para o Brasil deslanchar."

Rivais com poder
"Tanto o banco Goldman Sachs quanto o Banco Mundial estimam que a China e a Índia devem ter um crescimento de 8% a 10% ao ano nos próximos 15 anos. A Ásia vai ficar mais rica e mais forte por um longo período. E vai mudar a balança de poder relativo no mundo. O crescimento da Ásia não se trata de asiáticos contra ocidentais, mas de Ásia contra Ásia. As três potências, Japão, China e Índia, não se gostam."

Religião do dinheiro
"O crescimento econômico e a redução da pobreza são a religião unificadora no continente. Os países asiáticos nunca estiveram tão unidos por uma ambição e uma conquista como o desenvolvimento econômico."

Competição
"China, Índia e Japão têm interesses que se chocam e em parte competem. Cada um tem suspeitas sobre as intenções dos outros, há rivalidades de mil anos. Um diplomata indiano me confidenciou: "Você precisa entender que tanto a China como a Índia acham que o futuro lhes pertence. As duas não podem estar certas". Na verdade, ambas podem, mas não se o quiserem de forma exclusiva. Ter três potências pode ser inédito para a Ásia, mas não para o mundo. No século 19, a Europa tinha a Inglaterra, França, Rússia, Áustria e a Prússia."

Fronteira quente
"A Ásia é um continente pesadamente militarizado. Dos 8 países assumidamente com armas nucleares, 4 estão lá. Das 10 maiores Forças Armadas do planeta, 5 estão lá. China e Índia ainda são países bem pobres quanto a renda per capita, mas gastam fortunas em seus programas espaciais. Acredito que o espaço será o próximo campo de batalha. E há pelo menos cinco pontos de ebulição no continente entre as três potências: a fronteira Índia-China e o Tibete; Coréia; o mar da China; Taiwan; e Paquistão."

Delicadeza
"Líderes políticos e empresariais na Europa e nos EUA devem agir com muita delicadeza nesse balanço de poder entre os três. Acho que a diplomacia ocidental deve encorajar o desenvolvimento de instituições asiáticas, o respeito mútuo, o desenvolvimento e a cooperação, sem ter os EUA dizendo o que fazer. Tentar fortalecer a Índia para conter ou isolar a China seria um grande erro."

Similaridades
"Há similaridades entre China e Japão, em como escolheram a forma de desenvolvimento. O papel preponderante do Estado na economia, uma burocracia estável, sem dar muito poder à democracia cidadã como na Europa e nos EUA. O sistema político japonês é menos diferente do chinês do que parece... Nos anos 60 e 70, o Japão era um notório poluidor, que priorizava o crescimento sobre o ambiente, fazia eletrônicos baratos com mão-de-obra barata. Até que o choque do petróleo dos anos 70 aumentou a inflação, e o presidente americano, Richard Nixon, forçou a revalorização do iene. O paralelo com a China de hoje é evidente. Hoje a China vive a inflação, sua moeda está sob pressão para se valorizar e as fábricas de produtos sem muito valor terão que se mudar para países mais pobres. E o país, ainda devagar, começa a se dar conta dos desastres ambientais que precisa corrigir."


Texto Anterior: Venezuela: TV pede a corte internacional que condene governo Chávez
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.