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AMÉRICA LATINA
Reação à onda neoliberal favorece candidaturas de grupos esquerdistas
A esquerda e o desafio das urnas
CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Montevidéu
A vitória eleitoral do coronel
Hugo Chávez na Venezuela tem
um significado que vai além das
excentricidades e eventuais desconfianças que ele desperta.
Dá até para dizer que Chávez
tornou-se o primeiro esquerdista,
ainda que seu esquerdismo seja
difuso e mal definido até agora, a
se eleger presidente na América
Latina desde que Salvador Allende ganhou no Chile, no já remoto
ano de 1970.
É bem um retrato do pêndulo
político latino-americano: nos
anos 70 e parte dos anos 80, uma
onda revolucionária parecia varrer a região.
Na Argentina, em 1973, guerrilheiros saíam diretamente dos
presídios políticos para postos
governamentais, na efêmera gestão de Héctor Campora.
No Chile, assumia a Unidade
Popular, coligação de esquerda.
Na Bolívia, no Peru e no Equador,
movimentos militares de coloração esquerdista tomavam o poder, ainda que por breve prazo.
Depois, veio a onda de ditaduras militares que tingiu o mapa latino-americano de verde-oliva.
O pêndulo moveu-se em seguida para a redemocratização, ampla, geral e irrestrita, a ponto de
hoje apenas Cuba ser considerada
uma ditadura, entre os 35 países
latino-americanos e caribenhos.
Junto com a redemocratização
veio a onda neoliberal, acoplada à
estabilização das economias, ativo eleitoral de tal valor que permitiu a introdução da reeleição, antes um anátema na região.
Dele se valeram, para permanecer no poder, governantes identificados, corretamente ou não, como neoliberais (Fernando Henrique Cardoso no Brasil, Alberto
Fujimori no Peru, Carlos Saúl
Menem na Argentina).
Agora, o pêndulo se move para
a esquerda. Chávez foi o primeiro,
mas dificilmente será o único.
Só este ano, dois esquerdistas
surgem nas pesquisas como favoritos para eleições presidenciais.
Um é o uruguaio Tabaré Vázquez (Frente Ampla). Vázquez
deve ganhar o primeiro turno,
mas dificilmente obterá a maioria
absoluta. Terá de submeter-se a
um segundo turno em que muito
possivelmente será batido pelo
colorado Jorge Battle.
Não importa. O Uruguai, desde
a independência, é um condomínio de colorados e blancos. Que a
esquerdista Frente Ampla fure o
bipartidarismo já é um sinal importante de para onde se move o
pêndulo.
O segundo esquerdista é o chileno Ricardo Lagos (Partido pela
Democracia), favorito em todas
as pesquisas.
É verdade que Lagos é o candidato da coalizão que está no poder há quase dez anos. Mas é
igualmente verdade que é o mais
esquerdista dos líderes da "Concertación", que, antes, elegeu dois
democrata-cristãos (Patrício Aylwin e Eduardo Frei).
É eloqüente que tenha chegado
a vez de alguém que não tem vergonha de se dizer "allendista".
Até na Argentina, os dois candidatos favoritos estão mais à esquerda que o atual presidente,
Carlos Menem.
Um, Eduardo Duhalde, reergue
a bandeira do peronismo, o mais
clássico dos populismos latino-americanos. O outro, Fernando
de la Rúa, pertence a um partido
(a União Cívica Radical) de raízes
fincadas na social-democracia,
agora aliado a um grupo de independentes e ex-peronistas mais
claramente de centro-esquerda.
No ano que vem, no México, pela primeira vez em 70 anos há
boas possibilidades de que seja
derrotado o candidato do PRI
(Partido Revolucionário Institucional).
Ainda mais se se cristalizar a incipiente tendência a uma coligação entre as oposições, o PRD
(Partido Revolucionário Democrático, cisão pela esquerda do
PRI) e o PAN (Partido de Ação
Nacional, em tese conservador).
O caso mexicano talvez seja um
bom exemplo de como a esquerda está mudando para tornar-se
mais palatável eleitoralmente
(leia texto abaixo).
O candidato do PAN é Vicente
Fox, teoricamente um conservador, mas, não obstante, participante ativo de todas as reuniões
da esquerda latino-americana
que vêm sendo organizadas pelo
sociólogo mexicano Jorge Castañeda e pelo filósofo brasileiro Roberto Mangabeira Unger.
Se o pêndulo move-se para a esquerda, a explicação mais razoável talvez não esteja nas bandeiras
dela própria, mas na visível crise
do modelo neoliberal, que é hegemônico nos anos 90.
Onde não há recessão (Brasil,
Argentina, Chile, Venezuela), há
desaceleração da economia (México).
Para que o pêndulo mantenha o
prumo mais à esquerda, os partidos que mostram agora viabilidade eleitoral forte precisarão demonstrar que são capazes de, a
um só tempo, manter a estabilidade econômica, recuperar o crescimento e ainda redistribuir melhor os seus frutos.
Do contrário, a única certeza é a
de que o pêndulo continuará a
mover-se e, por definição, retornará ao lado direito.
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