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"Chegaram soldados armados com fuzis", relata morador
IURI DANTAS
PEDRO DIAS LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A NOVA ORLEANS
Há dois dias, o caos deixado pelo furacão Katrina começava a diminuir para Marcus Martinez, 29,
enquanto conversava com vizinhos na famosa Bourbon Street.
Ontem de manhã, porém, ele foi
surpreendido por soldados armados ordenando a desocupação
imediata do Bairro Francês, onde
ele mora desde que nasceu.
"Eu estava no quintal, quando
chegaram os soldados, armados
com fuzis. Disseram: "Ou vocês
deixam a cidade ou serão forçados a sair". Não há muita escolha
nisso, era batalha perdida. Então,
empacotamos tudo e entramos
no ônibus", contou à Folha.
De lá, Martinez, sua namorada
Lisa e outros moradores do Bairro
Francês foram levados para a
Universidade Estadual da Louisiana, onde deram início ao périplo de registrar a sua condição de
vítima para receber auxílio do governo.
"Acho que eles estão fazendo o
trabalho deles. Os soldados foram
até educados, pediram desculpas
e disseram que não tinham escolha. A água está poluída e quando
acabasse nosso estoque teríamos
que procurar em algum lugar",
contou.
O tradicional Bairro Francês,
um quadrilátero de ruas ocupado
por bares, boates, lojas e restaurantes, foi uma das poucas áreas
da cidade conhecida como berço
do jazz que resistiu à inundação
que se seguiu à passagem de Katrina, no dia 28.
Como se trata de um local mais
alto, o quarteirão ficou seco, mas
toda a área em volta, alagada, o
que provocou uma onda de saques na área.
Até o início da noite de ontem,
Martinez não sabia onde iria dormir. Ele conseguiu uma vaga no
prestigiado hotel Marriot, no centro de Baton Rouge, a cerca de 120
quilômetros de Nova Orleans.
Mas com propina, afirma.
"Perguntei à recepcionista se tinham um quarto. Ela disse que
não. Perguntei se US$ 1.000 resolveriam o problema. Ela disse que
não. Perguntei então se US$ 2.000
resolveriam o problema. Ela pediu um momento, disse o que poderia fazer. Em minutos voltou
com dois quartos", contou
Tommy Hendrix, amigo de Martinez.
Ambiente familiar
Morador do Bairro Francês há
mais de 20 anos, Sonny Adair, 50,
tentou explicar ontem por que
muitos moradores da região decidiram permanecer em suas casas,
mesmo depois da ordem de desocupação da cidade dada no dia 27
pelo prefeito Ray Nagin.
"Todos moram lá há muitos
anos, nos conhecemos e ajudamos uns aos outros. Nestes dias,
os donos de bares disseram aos
vizinhos: "Entrem, existem tantos
galões de água em determinado
local". Ninguém se preocupa com
isso. O que importa é conseguir
cuidar uns dos outros", afirma.
De acordo com as estimativas
do governo, em torno de 10 mil
pessoas ainda continuam em Nova Orleans.
Alguns já disseram que não vão
concordar com a desocupação
forçada, o que pode produzir cenas de violência que seriam o
complemento final de dias desastrosos para o governo do presidente George W. Bush.
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