São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005

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"Chegaram soldados armados com fuzis", relata morador

IURI DANTAS
PEDRO DIAS LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A NOVA ORLEANS

Há dois dias, o caos deixado pelo furacão Katrina começava a diminuir para Marcus Martinez, 29, enquanto conversava com vizinhos na famosa Bourbon Street. Ontem de manhã, porém, ele foi surpreendido por soldados armados ordenando a desocupação imediata do Bairro Francês, onde ele mora desde que nasceu.
"Eu estava no quintal, quando chegaram os soldados, armados com fuzis. Disseram: "Ou vocês deixam a cidade ou serão forçados a sair". Não há muita escolha nisso, era batalha perdida. Então, empacotamos tudo e entramos no ônibus", contou à Folha.
De lá, Martinez, sua namorada Lisa e outros moradores do Bairro Francês foram levados para a Universidade Estadual da Louisiana, onde deram início ao périplo de registrar a sua condição de vítima para receber auxílio do governo.
"Acho que eles estão fazendo o trabalho deles. Os soldados foram até educados, pediram desculpas e disseram que não tinham escolha. A água está poluída e quando acabasse nosso estoque teríamos que procurar em algum lugar", contou.
O tradicional Bairro Francês, um quadrilátero de ruas ocupado por bares, boates, lojas e restaurantes, foi uma das poucas áreas da cidade conhecida como berço do jazz que resistiu à inundação que se seguiu à passagem de Katrina, no dia 28.
Como se trata de um local mais alto, o quarteirão ficou seco, mas toda a área em volta, alagada, o que provocou uma onda de saques na área.
Até o início da noite de ontem, Martinez não sabia onde iria dormir. Ele conseguiu uma vaga no prestigiado hotel Marriot, no centro de Baton Rouge, a cerca de 120 quilômetros de Nova Orleans. Mas com propina, afirma.
"Perguntei à recepcionista se tinham um quarto. Ela disse que não. Perguntei se US$ 1.000 resolveriam o problema. Ela disse que não. Perguntei então se US$ 2.000 resolveriam o problema. Ela pediu um momento, disse o que poderia fazer. Em minutos voltou com dois quartos", contou Tommy Hendrix, amigo de Martinez.

Ambiente familiar
Morador do Bairro Francês há mais de 20 anos, Sonny Adair, 50, tentou explicar ontem por que muitos moradores da região decidiram permanecer em suas casas, mesmo depois da ordem de desocupação da cidade dada no dia 27 pelo prefeito Ray Nagin.
"Todos moram lá há muitos anos, nos conhecemos e ajudamos uns aos outros. Nestes dias, os donos de bares disseram aos vizinhos: "Entrem, existem tantos galões de água em determinado local". Ninguém se preocupa com isso. O que importa é conseguir cuidar uns dos outros", afirma.
De acordo com as estimativas do governo, em torno de 10 mil pessoas ainda continuam em Nova Orleans.
Alguns já disseram que não vão concordar com a desocupação forçada, o que pode produzir cenas de violência que seriam o complemento final de dias desastrosos para o governo do presidente George W. Bush.


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