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REVOLUÇÃO NOS BÁLCÃS
Série de guerras fez milhões de vítimas nos anos 90
Milosevic cai mas deixa um rastro de destruição
RAYMOND WHITAKER
DO "THE INDEPENDENT"
A queda de Slobodan Milosevic
deixa milhões de vítimas -as
pessoas que perderam suas casas,
suas famílias e suas comunidades
na série de guerras que ele provocou na antiga Iugoslávia.
Vukovar (Croácia), em 1991,
Srebrenica (Bósnia), em 1995, Racak (Kosovo), em 1999: ao longo
da década e de uma extremidade
à outra dos Bálcãs, sua ambição
foi marcada por monumentos recobertos de sangue.
Sua queda se deu às mãos da última de suas vítimas: seu próprio
povo. Os sérvios foram também
suas primeiras vítimas.
Até o momento em que Milosevic enxergou a oportunidade de
explorar os temores da minoria
sérvia na Província de Kosovo, ele
era apenas um funcionário do
Partido Comunista na Sérvia, como outro qualquer.
Naquele momento, transformou-se em nacionalista e, na condição de presidente sérvio, partiu
em sua campanha para erguer
uma "grande Sérvia" a partir do
que restara da Iugoslávia.
Os primeiros choques dessa
cruzada se deram no norte, na Eslovênia. Os eslovenos, entretanto,
conseguiram retirar-se da Iugoslávia em meados de 1991, praticamente sem derramamento de
sangue, apesar das ameaças da liderança militar iugoslava.
A minoria sérvia na República
não era grande o suficiente para
formar uma quinta coluna a serviço de Belgrado, e Milosevic poupou suas forças para os conflitos
mais próximos do coração do território sérvio. O primeiro destes
não tardou a eclodir.
A campanha começa
Ainda em 1991, o Exército nacional iugoslavo, agindo ostensivamente em defesa da integridade territorial, combateu ao lado
de milícias sérvias locais, contra
os croatas, nas duas regiões da
Croácia em que os sérvios formavam maioria: Krajina e o leste da
Eslavônia.
Situada quase na fronteira com
a Sérvia, Vukovar tornou-se o primeiro lugar nas guerras balcânicas dos anos 1990 cujo nome ficou
marcado a fogo na consciência internacional, quando combateu as
forças sérvias que a cercaram, durante 86 dias.
Em novembro de 1991, quando
a cidade finalmente caiu, centenas
de seus habitantes estavam mortos, em sua maioria civis -em
um único massacre, cerca de 250
pessoas foram assassinadas-, e
quase todas as suas construções
estavam por terra.
Por mais que o conflito croata
tenha sido chocante, acabou sendo relegado ao segundo plano pela guerra muito mais longa e sangrenta que estava prestes a começar na Bósnia, e, mais uma vez,
era Slobodan Milosevic quem
presidia sobre a tragédia a ponto
de acontecer.
Radovan Karadzic, o psiquiatra
que, com o apoio de Milosevic,
emergiu como líder dos sérvios
bósnios, avisou que qualquer passo da Bósnia em direção à declaração de independência significaria derramamento de sangue imediato, e, na primavera de 1992, as
barricadas foram erguidas. Sarajevo se dividiu, e teve início um
cerco que só seria levantado em
1995.
O conflito europeu mais sangrento desde 1945 opôs sérvios,
croatas e muçulmanos uns aos
outros, mas os muçulmanos, pelo
menos, puderam se defender.
Massacre
Em 1995, os Estados Unidos deram uma mão, bombardeando os
sérvios até conduzi-los à mesa de
negociações. Mas alguns dos
acontecimentos mais medonhos
ainda estavam por vir.
Em Srebrenica, designada pela
ONU "local seguro", tropas de
manutenção da paz holandesas
assistiram, impotentes, enquanto
as forças sérvias bósnias dominaram o encrave, situado na metade
da Bósnia sob controle sérvio, e
massacraram cerca de 7.000 homens muçulmanos, em julho de
1995, na pior atrocidade isolada
cometida em meio século na Europa.
(Na época do massacre, 75%
dos moradores de Srebrenica
eram muçulmanos; hoje, não há
mais muçulmanos na cidade.)
Krajina
Pouco depois o Exército croata
invadiu Krajina, retomando o território perdido quatro anos antes
e expulsando para a Sérvia centenas de milhares de sérvios, cujas
famílias viviam na região havia
gerações.
Muitos foram reassentados em
Kosovo, apenas para se descobrirem no meio de mais um conflito.
Ao final de 1995 a paz voltou à
Bósnia, ao preço da partilha, e Milosevic conseguiu o reconhecimento do Ocidente por ter obrigado Karadzic e seu capanga militar, Ratko Mladic -ambos indiciados por crimes de guerra pelo
Tribunal Internacional de Haia-
a fechar um acordo.
No inverno de 1996-97, ele repeliu as tentativas da oposição sérvia de tirá-lo de seu cargo e usou
seu poder para enriquecer sua família e seus associados.
Kosovo
Mas ainda restava a questão de
Kosovo, onde a queda da Iugoslávia começou. A maioria de 90%
de albaneses que constituíam sua
população pressupunha que sua
situação seria resolvida nos acordos políticos que tinham posto
fim às guerras nas outras partes
da antiga Iugoslávia, mas se viu
ignorada.
Os líderes políticos que lhes tinham pedido paciência foram desacreditados, e surgiu uma força
nova e mais militante, o Exército
de Libertação de Kosovo (ELK).
O verão de 1998 foi marcado por
represálias tão selvagens de Belgrado contra as provocações do
ELK que a comunidade internacional, mais uma vez e a contragosto, foi forçada a intervir nos
Bálcãs.
As sanções contra o regime de
Milosevic não tinham ajudado
em nada a impedir o conflito, e o
envio de monitores internacionais desarmados a Kosovo tampouco tivera efeito.
Em janeiro de 1999, quando os
monitores estrangeiros encontraram os corpos de mais de 40 camponeses albaneses massacrados
numa encosta de montanha perto
de Racak, teve início o mergulho
em mais uma guerra.
A campanha de bombardeios
da Otan (aliança militar ocidental) foi o sinal para uma reprise
dos horrores vistos em outras
partes da região na primeira metade da década de 1990 -casas
incendiadas, estupros, massacres
de civis inocentes e a "limpeza étnica" em escala ainda não vista
em nenhum dos conflitos anteriores.
Daquela vez, porém, os resultados se inverteram, e quem acabou
perdendo foram os sérvios de Kosovo.
A comunidade internacional se
uniu contra Milosevic e expulsou
seu Exército da Província em
tempo para o Ano Novo de 1999-2000. Tirá-lo da Presidência, porém, foi uma questão inteiramente diferente. Era algo que só poderia ser feito pelos próprios sérvios
e que, agora, eles finalmente conseguiram.
Tradução de Clara Allain
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