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QUEDA DO MURO: 20 ANOS DEPOIS
Reunificada, Alemanha segue dividida no bolso e na mente
Alemães do Leste e do Oeste ainda guardam estereótipos sólidos uns sobre os outros mesmo após 20 anos de retomada da convivência
Economia da antiga RDA é frágil se comparada à da fração ocidental do país
Andreas Von Lintel - 10.nov.1989/France Presse
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Alemães orientais aglomeram-se sobre o Muro de Berlim um dia depois de o governo comunista liberar a passagem para o Ocidente
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL À ALEMANHA
Na maior parte do trajeto por
onde passou o Muro de Berlim,
há apenas discretos tijolos incrustados no chão e placas de
metal com o tempo de vida desse monumento à Guerra Fria
(1961-89). Mas, passados 20
anos desde que o ex-oficial comunista Günter Schabowski se
confundiu em uma entrevista e
precipitou a queda, a sombra da
divisão alemã persiste.
A "Mauerfall" -o evento que
acabou por simbolizar o fim da
Cortina de Ferro no vácuo das
reformas promovidas por Mikhail Gorbatchev na União Soviética e da fervente pressão
econômica e social nos países
do Leste Europeu- será celebrada amanhã, e não há por que
questionar a reunificação que
aconteceria no ano seguinte.
Os desníveis, claros, aos poucos vão sendo cobertos. Mas
pergunte a um alemão de qualquer parte se hoje há diferenças
entre Leste e Oeste. A resposta
imediata será "sim".
Forjado em 1945 pelos vencedores da Segunda Guerra
quando dividiram o país em
dois e sua capital em quatro
(depois americanos, britânicos
e franceses uniriam suas zonas
de controle, deixando os russos
sós), o conceito de dois lados da
Alemanha ainda se reflete na
política e na economia.
Com um quinto da população total, os Estados da ex-República Democrática Alemã
não têm ministros no gabinete
de Angela Merkel (embora ela,
criada no Leste, seja a exceção à
regra). O desemprego é quase o
dobro do que vigora nos Estados da antiga República Federal da Alemanha, a população
declina mais rápido e o PIB per
capita mal chega a 70% dos
conterrâneos ocidentais.
Psique
Mais do que números da economia e cadeiras do Parlamento, a divisão permeia até hoje a
psique alemã. A Folha indagou
historiadores, professores, burocratas, políticos, economistas, jornalistas, ativistas e estudantes nascidos na RDA e na
RFA se Leste e Oeste ainda são
diferentes. Todos, exceto uma
estudante (leia texto na pág.
A16), disseram "sim".
Embora sem animosidade, as
pessoas ainda guardam estereótipos mais sólidos do que o
muro. "A arrogância do Oeste é
parcialmente verdade", diz Tobias Holitzer, curador de museu em Leipzig. "E o Leste, por
sua vez, também é cético em
relação ao Oeste."
Esses papéis derivam das relações travadas por 40 anos.
"Todo mundo tinha parentes
ou amigos na Alemanha Oriental e lhes mandavam algumas
coisas cotidianas, o que tornou
a relação entre a Alemanha
Ocidental e a Oriental estreita", diz o historiador Siegfried
Suckut, criado na região de
Hamburgo. "Mas por causa disso os alemães orientais acabaram na posição inferior, de pedir e não ter o que oferecer."
Ninguém ainda acha que o
Leste seja "uma máquina do
tempo com tudo cinza", como
definiu Axel Klausmeier, historiador à frente da documentação do Muro de Berlim nascido
em Essen, ao rememorar sua
primeira visita ao lado de lá.
Mas é recorrente um certo
ressentimento dos "ocidentais" pela transferência de fundos que o governo continua a
fazer à antiga RDA, hoje em
30 bilhões ao ano. Alusões aos
"orientais" os ligam ao comodismo, enquanto na mão inversa o estereótipo é o do egoísmo.
A noção de que os egressos da
RFA não se importam com os
vizinhos é disseminada.
VEJA ESPECIAL SOBRE
OS 20 ANOS DA QUEDA
DO MURO DE BERLIM
www.folha.com.br/092881
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