São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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QUEDA DO MURO: 20 ANOS DEPOIS

Nostalgia do Leste vira indústria em Berlim

Fenômeno crescente tenta extrair lucro de busca por referências que se perderam da noite para o dia com a reunificação

Símbolo da tendência é o Ampelmann, boneco que era exibido em semáforos de Berlim Oriental e causou furor ao ser removido em 94

DOS ENVIADOS A BERLIM

Daniel Helbig tinha 17 anos quando o Muro caiu. E, embora não tivesse nenhuma afeição pelo socialismo, achava sua vida ótima. Tão ótima que até agora está vivendo às custas desse passado que, defende, tinha muito mais cores e nuances do que o "outro lado" vê.
"Não há nenhuma política aqui", diz de pronto, entre retratos do líder alemão oriental Erich Honecker (1971-89) e telefones com discos. "Queríamos mostrar aos turistas que tínhamos cores e design na Alemanha Oriental. Todo mundo diz que tudo era cinza."
Helbig, que atribui a uma bebedeira a ideia de recriar em technicolor o ambiente da RDA (República Democrática Alemã), é uma das frentes mais visíveis e lucrativas de um fenômeno que ganhou terreno nos últimos cinco anos, a "Ostalgia" (mistura de "Ost", leste, com nostalgia).
Mais que um revival, trata-se de uma busca por referências que se perderam da noite para o dia com a reunificação.
Na versão "turística" (o "Ostel" de Helbig é uma bem cuidada exceção), ela atulha as ruas de Berlim de referências que vão de lojas que estampam o passaporte com um carimbo "DDR" (sigla em alemão da RDA) a um Checkpoint Charlie (posto de controle do muro) falso.
Na versão nativa, supre uma memória afetiva. A jornalista Maritta Adam-Tkalec, 54, ainda se lembra inconformada da noite anterior à unificação das moedas, em julho de 1990, que lojistas passaram em claro se livrando dos produtos da RDA para encher as prateleiras com as novas marcas "ocidentais". "Foi uma confusão, íamos ao supermercado, às farmácias, e não sabíamos o que escolher."
Se o movimento fosse ter um ícone, seria o Ampelmann.
O bonequinho humanizado criado pelo psicólogo Karl Peglau em 1961 para ilustrar os semáforos de Berlim Oriental foi substituído em 1994 pelo sinal-padrão europeu. O protesto foi tamanho que não só os antigos inquilinos voltaram aos luminosos como eles avançaram para o "Ocidente" com voracidade bastante capitalista.
Hoje, a Ampelmann é uma cadeia de lojas e um restaurante e toda sorte de quinquilharias com a imagem do homenzinho do semáforo.
O negócio se mostra bom. Helbig, filho de um acrobata e uma funcionária hospitalar que perderam o emprego com a reunificação, começou o Ostel com 17 camas em 2007. Hoje tem 300 e se prepara para abrir um restaurante. Em 2010, quer atrair escolas para mostrar a vida doméstica na RDA -uma lacuna no currículo alemão.
Mas para recriar o ambiente, que já na recepção mostra ao hóspede os horários em Havana, Pequim, Moscou e Berlim, foi preciso esmero. Os móveis, originais e conservados, foram garimpados de amigos, parentes, leilões na internet e negociantes. O papel de parede tem 35 anos e "foi caro" (ele omite os gastos). "Comecei em 2005 e continuo caçando", diz.
Tanta pesquisa acabou surpreendendo até o empresário, que, embora viva do estereótipo, faz questão de frisar que nunca teve problema com a Stasi (polícia da RDA). "Eu me espantei ao ver quantos tipos de móveis, de rádios, havia naquele tempo", ri. "E me assustei quando descobri que a Alemanha Oriental exportava móveis -até a Ikea [cadeia de origem sueca que popularizou o design] tem lustres da Alemanha Oriental", conta. "Só que agora eles são feitos na China." (LUCIANA COELHO e JAMES CIMINO)

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