|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
QUEDA DO MURO: 20 ANOS DEPOIS
Nostalgia do Leste vira indústria em Berlim
Fenômeno crescente tenta extrair lucro de busca por referências que se perderam da noite para o dia com a reunificação
Símbolo da tendência é o Ampelmann, boneco que era exibido em semáforos de Berlim Oriental e causou furor ao ser removido em 94
DOS ENVIADOS A BERLIM
Daniel Helbig tinha 17 anos
quando o Muro caiu. E, embora
não tivesse nenhuma afeição
pelo socialismo, achava sua vida ótima. Tão ótima que até
agora está vivendo às custas
desse passado que, defende, tinha muito mais cores e nuances do que o "outro lado" vê.
"Não há nenhuma política
aqui", diz de pronto, entre retratos do líder alemão oriental
Erich Honecker (1971-89) e telefones com discos. "Queríamos mostrar aos turistas que tínhamos cores e design na Alemanha Oriental. Todo mundo
diz que tudo era cinza."
Helbig, que atribui a uma bebedeira a ideia de recriar em
technicolor o ambiente da RDA
(República Democrática Alemã), é uma das frentes mais visíveis e lucrativas de um fenômeno que ganhou terreno nos
últimos cinco anos, a "Ostalgia"
(mistura de "Ost", leste, com
nostalgia).
Mais que um revival, trata-se
de uma busca por referências
que se perderam da noite para o
dia com a reunificação.
Na versão "turística" (o "Ostel" de Helbig é uma bem cuidada exceção), ela atulha as ruas
de Berlim de referências que
vão de lojas que estampam o
passaporte com um carimbo
"DDR" (sigla em alemão da
RDA) a um Checkpoint Charlie
(posto de controle do muro)
falso.
Na versão nativa, supre uma
memória afetiva. A jornalista
Maritta Adam-Tkalec, 54, ainda se lembra inconformada da
noite anterior à unificação das
moedas, em julho de 1990, que
lojistas passaram em claro se livrando dos produtos da RDA
para encher as prateleiras com
as novas marcas "ocidentais".
"Foi uma confusão, íamos ao
supermercado, às farmácias, e
não sabíamos o que escolher."
Se o movimento fosse ter um
ícone, seria o Ampelmann.
O bonequinho humanizado
criado pelo psicólogo Karl Peglau em 1961 para ilustrar os semáforos de Berlim Oriental foi
substituído em 1994 pelo sinal-padrão europeu. O protesto foi
tamanho que não só os antigos
inquilinos voltaram aos luminosos como eles avançaram para o "Ocidente" com voracidade bastante capitalista.
Hoje, a Ampelmann é uma
cadeia de lojas e um restaurante e toda sorte de quinquilharias com a imagem do homenzinho do semáforo.
O negócio se mostra bom.
Helbig, filho de um acrobata e
uma funcionária hospitalar que
perderam o emprego com a
reunificação, começou o Ostel
com 17 camas em 2007. Hoje
tem 300 e se prepara para abrir
um restaurante. Em 2010, quer
atrair escolas para mostrar a vida doméstica na RDA -uma lacuna no currículo alemão.
Mas para recriar o ambiente,
que já na recepção mostra ao
hóspede os horários em Havana, Pequim, Moscou e Berlim,
foi preciso esmero. Os móveis,
originais e conservados, foram
garimpados de amigos, parentes, leilões na internet e negociantes. O papel de parede tem
35 anos e "foi caro" (ele omite
os gastos). "Comecei em 2005 e
continuo caçando", diz.
Tanta pesquisa acabou surpreendendo até o empresário,
que, embora viva do estereótipo, faz questão de frisar que
nunca teve problema com a
Stasi (polícia da RDA). "Eu me
espantei ao ver quantos tipos
de móveis, de rádios, havia naquele tempo", ri. "E me assustei
quando descobri que a Alemanha Oriental exportava móveis
-até a Ikea [cadeia de origem
sueca que popularizou o design] tem lustres da Alemanha
Oriental", conta. "Só que agora
eles são feitos na China."
(LUCIANA COELHO e JAMES CIMINO)
Texto Anterior: Dresden espelha idas e vindas da recuperação no Leste Europeu Próximo Texto: Leipzig reivindica seu papel em fim da RDA Índice
|