São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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HISTÓRIA

Para autor, Massu foi o último grande soldado francês, apesar da imagem de militar violento criada na Guerra da Argélia

Livro "limpa" a biografia do líder da Batalha de Argel

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A Guerra da Argélia (1954-62) permanece o grande trauma da França contemporânea, comparável à Guerra do Vietnã (1965-75) para os EUA. O país comemora neste ano 40 anos da assinatura dos acordos de Evian, definidores da independência argelina, e dezenas de livros estão sendo publicados, entre eles "Massu, le Dernier Grognard" (ed. Perrin), do jornalista Pierre Pelissier.
Trata-se de uma biografia do general francês Jacques Massu, o homem que comandou a famosa Batalha de Argel, em 1957. Massu morreu no último 26 de outubro, aos 94 anos, acossado até o fim pelas polêmicas sobre a atuação de militares franceses na Argélia, acusados de praticar tortura.
A Batalha de Argel foi um triunfo militar, mas é ao mesmo tempo uma mácula na história da França. O próprio Massu reconheceu e lamentou o uso de tortura durante a ocupação da cidade por forças militares que desmontaram o aparelho guerrilheiro dos nacionalistas argelinos.
Esse não foi o único acontecimento controverso da carreira de Massu. Em maio de 1958, ele liderou, desde a Argélia, um "comitê de salvação pública" que pressionou militarmente para que retornasse ao poder na França o general Charles De Gaulle (1890-1970).
De Gaulle, que estava retirado da vida pública, foi reconduzido ao governo -num processo que para muitos tem características de golpe militar-, com a incumbência de resolver a questão argelina, que se agravava. Contrariando parte dos militares, entre eles Massu, De Gaulle optou por defender a independência da Argélia -colônia francesa desde 1830.
Esse é um dos episódios de destaque do livro de Pelissier, 67, que participou da Guerra da Argélia como soldado e trabalhou no jornal conservador "Le Figaro".
Ele defende que a importância de Massu para a história francesa não se resume ao episódio da Batalha de Argel. O general foi também relevante na resistência aos nazistas e na liberação da França (1944). "Massu foi o último grande soldado francês", diz Pelissier na entrevista a seguir, referindo-se ao título de seu livro ("dernier": último, "grognard": denominação para soldado da velha guarda, do tempo de Napoleão).


Folha - Como o sr. descreveria o papel do general Jacques Massu na história contemporânea francesa?
Pierre Pelissier -
Massu não é apenas o general da Batalha de Argel. Ele guardou dessa batalha a imagem de um homem da violência e do combate à guerrilha. Mas sua carreira é completamente outra coisa. Ele foi um dos primeiros a se juntar ao general De Gaulle em 1940, participou dos combates de liberação da França e de Paris em 1944, viveu uma experiência apaixonante na Indochina, antes que a guerra começasse, tentando justamente impedi-la, participou da crise do Canal de Suez. Tem uma história militar extraordinária. A Batalha de Argel durou apenas um ano e é apenas uma pequena parte de sua intervenção na Argélia. Ele permaneceu por lá até 1960, ocupando-se da cidade. Eu ressaltaria ainda o seu papel no 13 de Maio de 1958, quando impediu que uma revolução ou uma guerra civil explodisse na França, conseguindo quase sozinho conduzir De Gaulle ao poder. Massu foi o último grande soldado francês.

Folha - A vitória de Massu em Argel permanece o ponto mais memorável de sua trajetória. Como julgar sua participação na guerra?
Pelissier -
Ele não decidiu pela guerra, não a organizou, não a conduziu nem a concluiu. Então, ele não tem responsabilidade alguma, em nenhum nível. Ele conduziu e ganhou a Batalha de Argel, que pediram que ele fizesse.

Folha - Não tomou iniciativas que levaram à tortura de argelinos?
Pelissier -
Não. A tortura existia antes dele e continuou existindo depois. E não foi ele quem decidiu que se deveria torturar. Os políticos pediram a Massu e à sua divisão para restabelecer a paz nas ruas de Argel o mais rápido possível. Ora, quando você não tem um adversário conhecido na sua frente, quando esse adversário não usa uniforme, quando se trata de guerrilha, não há muitas alternativas. Em todo país onde houve guerrilha aconteceu o mesmo.

Folha - As relações de Massu com De Gaulle foram sempre marcadas pela fidelidade mútua?
Pelissier -
Sim, uma fidelidade que não impediu desacordos de ambas as partes, mas nunca houve rupturas. Penso inclusive que, se o general De Gaulle tivesse dito em 1958 que iria fazer a independência da Argélia, o general Massu teria trabalhado por isso. O fato, porém, é que De Gaulle nada disse a Massu nem a ninguém.

Folha - Massu lamentava a independência da Argélia?
Pelissier -
Ele lamentou as condições da independência, mas, bem mais tarde, reconheceu que a Argélia seria um peso medonho para a França. Ele pensava que nós não soubemos nos retirar bem do país, que poderíamos ter ajudado os europeus de lá a se instalarem na França e que deveríamos ter trazido os muçulmanos que se bateram pela França.


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