São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2004

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RELIGIÃO

Santa Sé identifica aumento do ódio aos cristãos e quer que ONU inclua o tema nos debates sobre preconceito religioso

Vaticano vê avanço da "cristianofobia"

TOM HENEGHAN
DA REUTERS, EM PARIS

Uma campanha diplomática lançada pelo Vaticano para que a "cristianofobia" seja reconhecida como mal equivalente ao ódio a judeus e muçulmanos está causando preocupação entre ativistas cristãos e diplomatas que redigem novas regras referentes aos direitos humanos. A campanha discreta, que a Igreja Católica mencionou publicamente pela primeira vez na última sexta-feira, busca o reconhecimento oficial pela ONU e outras organizações internacionais da discriminação e perseguição de cristãos.
A Santa Sé resolveu levar a campanha adiante apesar de ter sofrido dois reveses este ano, quando a União Européia se recusou a fazer referência ao legado cristão do continente em sua nova Constituição e quando a mesma UE rejeitou o nome de um católico tradicionalista, Rocco Butiglione, para ser um de seus comissários.
Quando discute o preconceito religioso, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, agora fala em "anti-semitismo, islamofobia e cristianofobia", termos que a Assembléia Geral reunida em Nova York deve aprovar ainda este mês.
"Evidentemente já vimos muitos países em que as minorias cristãs correm perigo, mas não achamos que essa seja realmente a maneira apropriada de garantir proteção para elas", disse Alessandra Aula, do grupo de lobby católico Franciscans International. "O que tememos é que este seja um caminho que conduza à erosão dos direitos humanos universais", disse ela desde seu escritório em Genebra. "Então haverá sikhs, budistas e todos os outros vindo reclamar seus direitos. Onde isso vai terminar?"
A campanha vem sendo tão discreta que o termo "cristianofobia" praticamente não era conhecido até que o ministro das Relações Exteriores do Vaticano, o arcebispo Giovanni Lajolo, declarou, na sexta-feira passada, que a Santa Sé fazia questão de que a ONU colocasse o termo ao lado do anti-semitismo e da islamofobia. "É preciso reconhecer que a guerra contra o terrorismo, embora necessária, teve como um de seus efeitos colaterais a expansão da "cristianofobia" por áreas extensas do planeta", disse Lajolo em uma conferência sobre liberdade religiosa que teve lugar em Roma, organizada pelos EUA.
O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), sediado em Genebra e que reúne mais de 340 igrejas protestantes e ortodoxas de todo o mundo, informou não ter sido consultado sobre a adoção do novo termo. "Sempre existe um risco com rótulos desse tipo", disse seu diretor de assuntos internacionais, Peter Weiderud. "Não ajuda olhar para o problema sob a ótica de uma religião contra outra."
Nos EUA, uma grande editora evangélica e um conhecido ativista dos direitos religiosos também disseram à Reuters nunca terem ouvido o termo "cristianofobia".
O relator especial da ONU sobre racismo e xenofobia, Doudou Diene, disse que especificar certas religiões é aceitável desde que seja observada a natureza universal da discriminação religiosa. Ele disse que o problema surge porque alguns países "procuram criar uma hierarquia das diferentes formas de discriminação".
Representantes do Vaticano disseram sob a condição de anonimato que não podiam ficar de lado, vendo o judaísmo e o islamismo receber atenção especial na ONU, que exige de seus países-membros relatórios regulares sobre questões oficialmente reconhecidas como sendo motivos de preocupação internacional.
Um especialista americano em liberdade religiosa, jesuíta, observou que as minorias cristãs são perseguidas em países como a Índia e o Paquistão. "Acho que existe cristianofobia nesses lugares, e ela não é reconhecida", disse Drew Christiansen, subeditor da revista "America", em Nova York. "Os cristãos têm o sentimento de serem uma maioria privilegiada. Por isso não nos enxergamos como vítimas."
Mas mesmo ele teve de admitir que não ouvira o termo "cristianofobia" até a Comissão de Direitos Humanos convidá-lo para discutir a questão, em reunião realizada no mês passado.


Tradução de Clara Allain

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