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Kirchner se exalta ante pressão americana
"Não somos republiqueta", diz presidente argentino, em reação a carta de embaixador dos EUA em defesa de investidor
Declaração coincide com
chegada a Buenos Aires de
enviados de Washington à
América Latina; país está em
campanha presidencial
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
Exatamente no dia em que
chegaram à Argentina dois enviados do Departamento de Estado norte-americano, o presidente Néstor Kirchner fez um
discurso inflamado, claramente direcionado aos Estados
Unidos, para afirmar que a Argentina "não é uma republiqueta" e que não admitirá pressões
de nenhum tipo para tomar decisões "contrárias à soberania"
do país.
Foi uma reação a uma carta
enviada ao ministro do Planejamento, Julio De Vido, pelo
embaixador americano no país,
Earl Wayne. No documento, o
diplomata manifestava a preocupação dos EUA pela interferência do governo argentino na
venda pela Petrobras a um fundo norte-americano de cerca de
52% das ações da controlodadora da Transener, empresa de
transporte de energia elétrica.
A outra parte das ações já pertence a um grupo argentino.
"Me parece uma falta de respeito. A Argentina não é uma
republiqueta. Não nos vão
apressar para tomar uma decisão nacional. O governo tomará
a decisão com base na soberania nacional", discursou ontem
o presidente Kirchner. "A Argentina decide por si. Assim como não interferimos na soberania de nenhum país, não aceitaremos que nos apressem nem
pressionem de nenhum modo.
A Argentina é a Argentina."
No país, Nicholas Burns, subsecretário de Estado dos EUA
para Assuntos Políticos, e Thomas Shannon, secretário-adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, terão reuniões
com ministros. Não há previsão
de encontro com Kirchner.
A venda da Transener precisa ser aprovado pela área de defesa da concorrência do Ministério da Economia argentino e
pelo Enre, órgão regulador do
setor elétrico, ligado ao Ministério do Planejamento. Por ora,
prevalece o entendimento de
que o controle de uma empresa
estratégica não deveria ser de
um fundo que, segundo o governo, "pensa mais a curto prazo".
A empresa argentina Electroingeniería, que já havia feito
proposta à Petrobras pela empresa e que foi preterida pelo
fundo Eton Park, é a principal
interessada de que o negócio
não seja autorizado -poderia
comprar a Transener em parceria com a estatal Enarsa.
A Petrobras não tem escolha
senão vender as ações -ao
comprar os ativos energéticos
da Perez Companc em 2002,
firmou compromisso com o governo de Eduardo Duhalde de
que, para evitar formação de
monopólio, transferiria o controle. No ano passado, a companhia brasileira acertou a venda
com o fundo americano por
US$ 54 milhões, e já recebeu
parte do valor.
Procurada pela Folha, a Petrobras informou que o negócio
está vigente e que nada muda
até que o governo argentino comunique sua decisão sobre a
venda.
Desde que assumiu, Kirchner modificou o cenário do
controle da geração de energia
elétrica no país. Atraídos pelos
incentivos e pela promessa de
tarifas altas pela ameaça de
uma crise energética, os empresários se interessaram mais
pelo setor.
Agora, grupos privados argentinos já têm nas mãos cerca
de 40% do setor privado -no
início da década, os estrangeiros dominavam praticamente
tudo. Considerando as estatais,
a participação local chega a
75%.
Discurso "antiianque"
Desde o início de seu governo, Kirchner mescla arroubos
antiamericanos e anticapitalistas como reverências aos EUA
como tocar a campainha que
abre o pregão da Bolsa de Nova
York.
Na Argentina, o discurso
contra o "imperialismo" funciona e ganha força sobretudo
com a proximidade das eleições
presidenciais, que serão em outubro.
Ontem, a primeira-dama,
Cristina Kirchner, virtual candidata governista à Presidência
(já que aliados e ministros de
Kirchner dizem que ele provavelmente não concorrerá), que
está em visita oficial à França,
fez um discurso em defesa da
administração do marido. "Se
tratava de um presidente que
havia chegado ao governo com
22% dos votos [com a desistência do ex-presidente Carlos
Menem] e com 27% de desempregados. Tínhamos mais desempregados que votos", declarou.
Em clima de campanha, Cristina também posou para fotos
segurando camiseta que ganhou da seleção Argentina de
futebol com seu nome nas costas e o número 10 -o mesmo
que foi de Diego Maradona.
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