São Paulo, sexta-feira, 09 de fevereiro de 2007

Próximo Texto | Índice

Kirchner se exalta ante pressão americana

"Não somos republiqueta", diz presidente argentino, em reação a carta de embaixador dos EUA em defesa de investidor

Declaração coincide com chegada a Buenos Aires de enviados de Washington à América Latina; país está em campanha presidencial

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Exatamente no dia em que chegaram à Argentina dois enviados do Departamento de Estado norte-americano, o presidente Néstor Kirchner fez um discurso inflamado, claramente direcionado aos Estados Unidos, para afirmar que a Argentina "não é uma republiqueta" e que não admitirá pressões de nenhum tipo para tomar decisões "contrárias à soberania" do país.
Foi uma reação a uma carta enviada ao ministro do Planejamento, Julio De Vido, pelo embaixador americano no país, Earl Wayne. No documento, o diplomata manifestava a preocupação dos EUA pela interferência do governo argentino na venda pela Petrobras a um fundo norte-americano de cerca de 52% das ações da controlodadora da Transener, empresa de transporte de energia elétrica. A outra parte das ações já pertence a um grupo argentino.
"Me parece uma falta de respeito. A Argentina não é uma republiqueta. Não nos vão apressar para tomar uma decisão nacional. O governo tomará a decisão com base na soberania nacional", discursou ontem o presidente Kirchner. "A Argentina decide por si. Assim como não interferimos na soberania de nenhum país, não aceitaremos que nos apressem nem pressionem de nenhum modo. A Argentina é a Argentina."
No país, Nicholas Burns, subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, e Thomas Shannon, secretário-adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, terão reuniões com ministros. Não há previsão de encontro com Kirchner.
A venda da Transener precisa ser aprovado pela área de defesa da concorrência do Ministério da Economia argentino e pelo Enre, órgão regulador do setor elétrico, ligado ao Ministério do Planejamento. Por ora, prevalece o entendimento de que o controle de uma empresa estratégica não deveria ser de um fundo que, segundo o governo, "pensa mais a curto prazo".
A empresa argentina Electroingeniería, que já havia feito proposta à Petrobras pela empresa e que foi preterida pelo fundo Eton Park, é a principal interessada de que o negócio não seja autorizado -poderia comprar a Transener em parceria com a estatal Enarsa.
A Petrobras não tem escolha senão vender as ações -ao comprar os ativos energéticos da Perez Companc em 2002, firmou compromisso com o governo de Eduardo Duhalde de que, para evitar formação de monopólio, transferiria o controle. No ano passado, a companhia brasileira acertou a venda com o fundo americano por US$ 54 milhões, e já recebeu parte do valor.
Procurada pela Folha, a Petrobras informou que o negócio está vigente e que nada muda até que o governo argentino comunique sua decisão sobre a venda.
Desde que assumiu, Kirchner modificou o cenário do controle da geração de energia elétrica no país. Atraídos pelos incentivos e pela promessa de tarifas altas pela ameaça de uma crise energética, os empresários se interessaram mais pelo setor.
Agora, grupos privados argentinos já têm nas mãos cerca de 40% do setor privado -no início da década, os estrangeiros dominavam praticamente tudo. Considerando as estatais, a participação local chega a 75%.

Discurso "antiianque"
Desde o início de seu governo, Kirchner mescla arroubos antiamericanos e anticapitalistas como reverências aos EUA como tocar a campainha que abre o pregão da Bolsa de Nova York.
Na Argentina, o discurso contra o "imperialismo" funciona e ganha força sobretudo com a proximidade das eleições presidenciais, que serão em outubro.
Ontem, a primeira-dama, Cristina Kirchner, virtual candidata governista à Presidência (já que aliados e ministros de Kirchner dizem que ele provavelmente não concorrerá), que está em visita oficial à França, fez um discurso em defesa da administração do marido. "Se tratava de um presidente que havia chegado ao governo com 22% dos votos [com a desistência do ex-presidente Carlos Menem] e com 27% de desempregados. Tínhamos mais desempregados que votos", declarou.
Em clima de campanha, Cristina também posou para fotos segurando camiseta que ganhou da seleção Argentina de futebol com seu nome nas costas e o número 10 -o mesmo que foi de Diego Maradona.


Próximo Texto: Artigo: Os EUA e o "modelo indiano"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.