São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
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ADEUS AO REI
Funeral do rei da Jordânia, morto anteontem, transforma-se em grande manifestação de apoio à monarquia
Enterro de Hussein leva 1 milhão às ruas

CHRISTOPHE BOLTANSKI
do "Libération", em Amã

O rei Hussein acaba de realizar uma façanha inusitada. Atrás de seu caixão, recoberto por uma mortalha branca e a bandeira jordaniana, inimigos caminharam lado a lado -homens cujos caminhos nunca haviam se cruzaram.
Montado sobre a carreta de um canhão, o ataúde foi seguido pelo conjunto mais impressionante de personalidades díspares da última década. Unidas no mesmo silêncio, dezenas de cabeças coroadas, emires usando turbantes, chefes de Estado e de governo percorreram o caminho entre o palácio Raghadan e o cemitério real, criando uma imagem pacificada do planeta e do Oriente Médio, à imagem do sonho do próprio Hussein, morto anteontem após lutar anos contra um câncer linfático.
Todos estavam presentes -até mesmo Boris Ieltsin, apesar de sua saúde frágil. Mas o presidente russo não acompanhou o cortejo fúnebre. A limusine que o transportou até a entrada do palácio o levou rapidamente até seu avião. Ieltsin acenou com a mão do automóvel, como se quisesse dar provas de que continua vivo.
O presidente sírio, Hafez Assad, cujo estado físico não é muito melhor do que o de Ieltsin, também quis render uma derradeira homenagem a Hussein, que, em momentos diferentes, foi seu aliado e seu adversário. Foi a primeira vez em 13 anos que Assad foi a Amã. Ele chegou a pé e passou bastante tempo diante do caixão, orando. Pela primeira vez, posicionou-se ao lado dos dirigentes israelenses.
Todos os dignitários do Estado judaico estavam presentes, desde o presidente Ezer Weizman até o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, passando pelo chanceler Ariel Sharon e os líderes da oposição, o trabalhista Ehud Barak e o centrista Yitzhak Mordechai. Outro gesto histórico se deu: um dos opositores palestinos ao acordo de paz, Naief Hauatmeh, líder da Frente Democrática de Libertação da Palestina (FDLP), cumprimentou o presidente israelense com um caloroso aperto de mão.
Entre os presentes também havia um membro do Hamas, movimento extremista islâmico responsável por atentados sangrentos em Israel, e o chefe do Mossad, o serviço secreto israelense. Três ex-presidentes norte-americanos, Gerald Ford, Jimmy Carter e George Bush, e Bill Clinton, atual líder do país, estavam no mesmo local que um vice-presidente iraquiano, Taha Mohieddine Maaruf.
Foi uma união dos contrários, bem à imagem da diplomacia jordaniana. A Jordânia, situada na interseção de todas as falhas do Oriente Médio, sempre foi obrigado a ouvir e acolher todo o mundo.
O funeral selou a reconciliação entre a Jordânia e o Kuait, que criticava Hussein por sua atitude favorável ao ditador Saddam Hussein na Guerra do Golfo (1991).
O cortejo partiu ao som de tambores e do estalo de botas. O cavalo branco do rei e suas medalhas seguiram seus restos mortais em direção ao cemitério onde se encontram os túmulos de seu avô Abdullah e de seu pai, Talal.
O cortejo foi encabeçado pelo novo rei, Abdullah. A família real, dividida por disputas em torno da sucessão, estava completa, com exceção das mulheres. O príncipe Hassan, que até duas semanas atrás era o sucessor indicado de Hussein, era o único a não usar o tradicional turbante vermelho e branco. Ele se manteve em silêncio ao lado de Hamzeh, filho da rainha Noor, nomeado príncipe herdeiro por Abdullah na véspera.
Vigiada por cerca de 30 mil policiais e militares, uma multidão muito maior acompanhou o funeral. À entrada do complexo real, a população, que até esse momento se mantivera calma, precipitou-se sobre as grades, na tentativa de seguir o cortejo.


Tradução de Clara Allain

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